O Surgimento da Placa de Arcade MVS
Em 1989, a SNK já possuía um considerável portfólio de jogos de arcade, construído entre o final da década de 70 e os gloriosos anos 80. Mas, felizmente, enxergou promissoras possibilidades de expandir suas finanças através de uma elegante e poderosa placa que mesmo recebendo títulos de diversos gêneros, seria realmente lembrada como sinônimo de games de luta. Produzida internamente pela própria companhia de Osaka, o novo hardware foi batizado de MVS (Multi Video System), seu nome faz alusão direta a sua principal característica, o uso de cartucho intercambiáveis. Para entendermos o quão importante foi essa decisão, precisamos lembrar que a maioria dos jogos que povoavam os fliperamas da época eram baseados no padrão JAMMA(em voga desde 1985), sendo gravados diretamente nos circuitos das próprias placas, fazendo com que fossem inutilizadas ou substituídas, uma vez, que o público perdesse seu interesse sobre elas.
O grande mérito da SNK foi aliar efeitos gráficos e sonoros anos-luz à frente de tudo que havia disponível até então com uma interface amigável, encorajando o mercado a abraçar esse novo sistema com a promessa de que ele receberia contínuo suporte através de títulos tecnicamente cada vez mais impressionantes. Não era difícil perceber como esse investimento muito valia a pena aos donos dos arcades e a própria fabricante dela. Enquanto os primeiros, comprariam um certo número de MVSs e, posteriormente, só teriam a preocupação de adquirir novos cartuchos de acordo com os anseios dos jogadores, a segunda teria uma drástica redução de custo de manufatura com o hardware e poderia se concentrar nos jogos que seriam o grande pilar de suspenção desse novo modelo de negócio. Vale ressaltar que a MVS não foi a precursora na utilização da troca de cartuchos em fliperamas. No ano de 1986, a Nintendo já havia produzido a PlayChoice-10, uma cabine de arcade que podia conter até dez títulos de Nintendinho. Mas, essa empreitada da gigante de Kyoto, não chegou nem perto do sucesso que a SNK saborearia na década seguinte.
O modelo mais comum trazia apenas um slot para cartucho, mas havia outras três variações que traziam 2, 4 e 6 slots. Representadas, respectivamente, pelas siglas (MV-1, MV-2, MV-4, MV-6). Esse icônico arcade também padronizou o layout dos comandos dispondo sequencialmente os botões A, B, C e D, simbolizados pelas cores vermelha, amarela, verde e azul. A plataforma também foi pioneira na adoção do memory card que continha simbólicos 2K e tinha como função armazenar os placares dos jogadores.
Poucos sabem, mas, a MVS apresenta muitas similaridades com o Mega Drive, a começar pelos seus dois processadores. O principal é um Motorola 68000 de 16 bits com 12MHz, e um Zilog Z80A de 8 bits com 4MHz que trabalha de maneira auxiliar. Quando os comparamos com o console da Sega, a única diferença é em relação à velocidade, pois, no 16 bits da Sega, o 68000 opera a 7.6 MHz, enquanto o Z80 trabalha em torno de 3.58 MHz. Na parte sonora, a placa da SNK faz uso de um chip Yamaha YM2610, uma versão melhorada do YM2612, presente no Mega. Curiosamente, o salto exponencial dado pela MVS só foi possível graças a uma combinação entre uma serie de memorias auxiliares presentes no sistema, aliadas ao inusitado artifício de incluir dois chips paralelos em cada cartucho e, consequentemente, dois slots para sua leitura. Essa soma de fatores permitiu que o hardware da SNK exibisse até 4096 cores simultâneas de uma paleta que continha 65536 tons disponíveis. Além de enormes sprites e sofisticados efeitos que aumentavam e diminuíam a escala dos incontáveis elementos gráficos que habitavam e davam vida aos inspirados jogos que passaram por essa incrível máquina que convertia sonhos em realidade.
E, enquanto, precursores como Magician Lord, que debutou com a placa em 26 de abril de 1990, facilmente ultrapassavam os 100 Megabits, era amplamente alardeado que o sistema poderia chegar até a respeitosa marca de 330 Megabits. Limite esse superado e muito ao longo dos anos. Alcançando impressionantes 700 Megabits com Samurai Shodown V Special, último título lançado oficialmente para a plataforma em 2004.
O Nascimento dos Videogames Neo Geo AES e Neo Geo CD/CDZ
Motivada pelo sucesso da MVS, a SNK decidiu dar um ousado passo e produzir um console caseiro com as mesmas especificações técnicas de sua bem-sucedida contraparte dos arcades. Nomeado como AES (Advanced Entertainment System), a máquina vendia o sonho que todas as crianças e adolescentes que amavam videogame tinham, o de possuir um fliperama particular em sua própria casa. Sendo lançado no Japão e na América do Norte em 1 de julho de 1991.
Tudo que dizia respeito ao AES era superlativo, a começar pelo proibitivo preço de US$649.99 em um pacote chamado Gold System que continha dois joysticks, um memory card, além de trazer inicialmente o jogo Magician Lord. Houve também uma versão conhecida como Silver System que vinha apenas com o console e um joystick. De fato, ele foi pensado para oferecer uma experiência idêntica a MVS em todos os seus aspectos, o imenso controle apresentava uma versão adaptada do direcional visto nos arcades e, claro, os botões A, B, C e D dispostos sequencialmente. Não podemos esquecer também do memory card que permitia o recurso de troca de dados entre os dois sistemas irmãos e o gigantescos cartuchos e seus icônicos par de chips paralelos.
A ideia da SNK era transformar suas plataformas em uma grande família, unidas por suas similaridades. Por esse motivo, tanto a MVS quanto o AES receberam a suntuosa dupla de palavras Neo Geo antes de suas siglas. Derivadas do latim e do grego, elas podem ser traduzidas livremente como Nova Terra. Uma clara referência ao ambicioso desejo da empresa de Osaka que tinha como objetivo desbravar territórios nunca antes almejados no entretenimento eletrônico. Desde então, o console passou a dividir mesma biblioteca com os arcades. Recebendo suas conversões com diferença de poucas semanas ou meses.
De fato, era uma grande covardia tentar aproximá-lo aos sistemas da geração 16 bits que eram os mais populares naquela época. Não é nenhum exagero afirmar que ele era a Ferrari dos videogames. Pois, se tratava de uma máquina única, que não se enquadrava em nenhuma categoria existente, estando em um patamar muito superior ao que havia disponível no mercado. Mas, ironicamente, esse também foi seu calcanhar de Aquiles. O próprio preço do console já o tornava um produto de nicho, mas o valor dos cartuchos deixava isso ainda mais evidente. Para efeito de comparação, um Mega Drive ou Super Nintendo custavam cerca de US$199,00, que era aproximadamente o mínimo que se pagava em cada título de AES.
Enquanto a MVS era responsável pela maior parte da receita da companhia, o AES não encontrava público suficiente que tivesse capital necessário para bancar seus valores exorbitantes. Dessa forma, depois de um período que durou alguns anos, onde a SNK licenciou suas principais franquias como Fatal Fury, Art of Fighting e Samurai Shodown para angariar recursos. Foi então que a empresa enxergou o CD como uma mídia viável que pudesse salvar seu sistema caseiro e devolver sua saúde financeira.
Inicialmente, o Neo Geo CD seria um acessório para o Neo Geo AES. Da mesma maneira que o Sega CD foi para Mega Drive. Porém, a SNK mudou de ideia e decidiu lançar um console independente. Com os jogos em CD, o preço caia para módicos US$50,00. O primeiro modelo do Neo Geo CD foi lançado em 1994, apenas no Japão e é chamando de Front Loader, pois possui uma gaveta para frontal para a inserção do CD. Como os custos de produção dessa versão eram muito altos, foi lançado ainda nesse ano a versão Top Loader(a mais conhecida), que possui uma tampa na parte superior que quando aberta revela a entrada dos CD. Contudo, ambas possuíam um drive de CD com velocidade de 1x, o que fazia com que os jogos demorassem muito para serem carregados. Foi então, que em 1995, a SNK decidiu lançar uma terceira versão, chamado Neo Geo CDZ, que também possuía um leitor de velocidade simples, mas compensava essa limitação com um grande cache de memória, diminuindo praticamente pela metade o tempo de loading, e que assim como o modelo original, também ficou restrita apenas ao Japão.
Neo Geo CD Front Loader
Neo Geo CD Top Loader
Neo Geo CDZ
A encarnação em CD do Neo Geo, dividia as mesmas especificações técnicas com seus irmãos mais velhos, fazendo uso dos processadores Motorola 68000 de 12MHz e Zilog Z80A de 4MHz com o diferencial de um absurdo salto sonoro proporcionado pela mídia digital. A entrada para memory card foi abolida e o tradicional controle arcade foi substituído por um modelo mais anatômico que podia ser facilmente empunhado entre as duas mãos, composto por um novo direcional deslizante do lado esquerdo e os quatro botões clássicos disposto na direita, com o A e B, embaixo e o C e D, acima dos anteriores. Posteriormente, a SNK lançou o Neo Geo Controller Pro, um joystick mais compacto que mantinha as mesmas características vistas no AES.
A produção do Neo Geo CD continuou por mais alguns anos, sendo descontinuada em 1997, já que ele não tinha mais folego para competir com os consoles de 32 e 64 bits que disputavam a preferência dos jogadores. Ainda em 1997, o AES teve o mesmo destino, ainda que continuasse recebendo lançamentos até 2004. Quando a MVS foi oficialmente aposentada, após 14 longevas primaveras.
Os planos da SNK para a Hyper Neo Geo 64 e o Neo Geo Pocket
Com a crescente demanda por jogos em 3D no início da segunda metade da década de 90, os títulos em duas dimensões gradativamente tiveram que dividir um espaço que antes era monopolizado por eles. A SNK, por sua vez, continuamente perdia terreno frente aos avanços das poderosas máquinas capazes de renderizar polígonos. E, já em 1995, anunciava lançar seu sistema tridimensional que substituiria a velha MVS. Inicialmente, planejada para chegar ao mercado no final de 1996 a versão arcade da Hyper Neo Geo 64 só chegaria as mãos dos jogadores em setembro de 1997 com o título de corrida Road's Edge.
Composta por um processador de 64 bits, 4 megabytes de memória, 64 megabytes para calcular texturas e os ambientes em 3D e 128 megabytes dedicados a elementos em 2D. Assim como havia sido feito com o AES, a ideia era posteriormente transformar a placa em um console caseiro. O objetivo da companhia era recuperar o tempo perdido com um concorrente à altura do PlayStation, Saturn e Nintendo 64. Mas, o insucesso dessa aposta fez com que os planos da SNK caíssem por terra. E o sistema fosse descontinuado em 1999, com apenas sete jogos disponíveis: o próprio Road's Edge, Samurai Shodown 64, Xtreme Rally, Beast Busters: Second Nightmare, Samurai Shodown 64: Warriors Rage, Fatal Fury: Wild Ambition e Buriki One. Ao todo, quatro diferentes modelos da Hyper Neo Geo 64 foram produzidos: o primeiro rodava apenas Road's Edge e Xtreme Rally, o segundo só funcionava com Beast Busters: Second Nightmare, o terceiro era dedicado aos dois títulos da série Samurai Shodown e o último comportava o quarteto de jogos de luta composto por Samurai Shodown 64, Samurai Shodown 64: Warriors Rage, Fatal Fury: Wild Ambition e Buriki One.
Somente Fatal Fury: Wild Ambition foi portado para um outro sistema, os demais seis, permaneceram como exclusivos da plataforma. O capítulo em 3D da saga dos lobos solitários foi convertido para PlayStation e lançado em 24 de junho de 1999 no mercado japonês.
A SNK, incansavelmente continuava buscando alternativas para emplacar um hardware que se popularizasse. Dessa vez, a nova tentativa visava invadir o território dos portáteis que era dominado há quase uma década pela família Game Boy. O produto escolhido foi o Neo Geo Pocket, um console de bolso monocromático que possuía um processador de 16 bits e autonomia aproximada de 40 horas de jogo com apenas duas pilhas AAA. Sua comercialização ficou restrita apenas ao oriente e teve início em 28 de outubro de 1998. Composto por uma tela de cristal líquido com resolução de 256×256, um direcional deslizante do lado esquerdo igual ao visto no Neo Geo CD e os botões A e B na direita.
Amargando baixíssimas vendas, ele deixou de ser fabricado em 1999 com nove jogos em sua biblioteca: Baseball Stars, King of Fighters R-1, Melon-chan's Growth Diary, Neo Cherry Master, Neo Geo Cup 98, Neo Geo Cup 98 Plus, Pocket Tennis, Puzzle Link e Samurai Shodown. E, assim como aconteceu com a Hyper Neo Geo 64, franquias famosas como King of Fighters e Samurai Shodown e nem o imponente nome Neo Geo foram suficientes para despertarem o interesse do grande público.
Mas, a companhia não se deu por vencida e em 16 de marco de 1999, trouxe ao mercado o Neo Geo Pocket Color. Uma versão colorida e mais potente do Neo Geo Pocket tradicional, que chegou ao ocidente em 06 de agosto de 1999, nos Estados Unidos e 01 de outubro do mesmo ano no continente europeu ao custo de U$69.95.
Com a invejável autonomia de 40 horas de uso com duas pilhas AA e sendo capaz de exibir 146 cores simultâneas de paleta composta por 4096 tons, o pequeno notável da SNK recebeu suporte de empresas como a Capcom que produziu importantes títulos como SNK vs. Capcom: Match of the Millennium, o primeiro produto derivado da parceria entre as duas maiores desenvolvedoras de jogos de luta da década de 90. Mas, a maior apoiadora do console foi a Sega, que desenvolveu Sonic the Hedgehog Pocket Adventure, um título de seu famoso mascote para a plataforma. Além disso, esse acordo se estendeu ao Dreamcast e um cabo link foi criado para que ambos os sistemas trocassem informações e o Neo Geo Pocket Color funcionasse como uma espécie de PDA para o 128 bits. Títulos da própria SNK e aqueles que eram frutos de seus esforços junto a Capcom, conversavam entre si através de suas encarnações de mesa e portátil, desbloqueando recursos, mini-games ou extras em ambos os consoles.
Mas, assim como seu antecessor, o Neo Geo Pocket Color teve vida curta e foi descontinuado em 13 de junho de 2000 na Europa e Estados Unidos, e um ano mais tarde no Japão. Com um total de 83 títulos lançados, além de mais 43 que foram cancelados. Podemos listar inúmeros motivos que o levaram a seu fim, como a febre da franquia Pokémon para Game Boy Color, a concorrência com também portátil WonderSwan da Bandai em terras nipônicas e o bombástico anúncio do Game Boy Advance, que chegaria as mãos dos consumidores em 2001.