A relação entre games e cinema

A relação entre games e cinema

Cinema e games estão intrinsecamente ligados. As  linguagens de ambas as mídias sempre caminharam lado a lado, e a tendência é que esses laços fiquem cada vez mais fortes. 

Segundo o artigo “Tempos pós-modernos: a relação entre o cinema e os games”, de Dulce Márcia Cruz, a relação de estética e de linguagem entre os games e o cinema vem se estreitando por causa do desenvolvimento tecnológico, e a convergência entre esses dois setores se torna inevitável, até porque ambos são muito parecidos, já que, graças a evolução da tecnologia, a história dos games tem se desenvolvido para uma narrativa complexa e semelhante a representações dos filmes. Você pode perceber como os jogos mais modernos têm uma narrativa completa e cheia de detalhes. 

É evidente que o cinema serve como uma base para que os videogames se firmem como uma linguagem audiovisual, especialmente na questão narrativa. Agora, os jogos são como “filmes interativos”. 

The Last of Us é um exemplo. Sua narrativa é capaz de superar a de muitos filmes. Os personagens, as reviravoltas na trama, o visual, a trilha sonora são muito cinematográficos. O crítico de cinema Pablo Villaça até escreveu sobre o jogo no blog dele, exaltando suas qualidades narrativas e aspectos cinematográficos. 

Muitos jogos também apresentam a Jornada do Herói, um dos principais recursos para estrutura narrativa no cinema. Se você não sabe o que é, eu explico: foi um conceito criado pelo mitólogo Joseph Campbell em que ele apresenta o passo a passo da transformação do homem comum em herói, com todas as provações que surgem no meio do caminho. Os filmes usam isso a rodo e esse é também o ponto de partida para a maioria dos games – ainda que eles não tenham estéticas cinematográficas. 

Segundo Dulce Cruz, os elementos narrativos do cinema estão presentes nos videogames através de um “estilo imitativo” que fica ainda mais evidente nas cutscenes – onde a história do game aparece como um filme que o jogador assiste. Esse “estilo imitativo” inclui também a apropriação de elementos da linguagem cinematográfica como por exemplo som, câmera, imagem, movimento, enredo, montagem, personagens, cenários, etc.

Por sua vez, o estudo afirma que os filmes se aproximam dos games ao utilizar imagens digitais e “sequências de ação que estendem as fronteiras marcadas por técnicas convencionais que empregam todo tipo de efeito especial digital”.

É verdade que a indústria dos games e dos filmes estão competindo em um mercado bilionário, mas, no geral, eles coexistem de forma “pacífica” e frequentemente estão se ajudando e promovendo uns aos outros ou até, adaptando história e personagens das telonas para os jogos e vice-versa. Nesse texto, vou falar um pouco mais sobre a história dos jogos baseados em filmes e dos filmes baseados em jogos, ainda que essa relação não tenha tido muitos resultados positivos que agradaram os fãs, né? Quando se fala nisso, geralmente o que vemos são fracassos, mas vamos lá… 

Quando um filme precisava ter um game atrelado a ele no lançamento

Segundo o site Cineset, lá no início de tudo, por volta dos anos 80, um filme precisava ter um game atrelado a ele na época do seu lançamento. Era quase uma regra! Por isso, surgiram jogos como Batman, baseado no filme de Tim Burton e Total Recall, baseado em O Vingador do Futuro. 

E, claro, não podemos esquecer do game de E.T., baseado no filme homônimo de Steven Spielberg. O jogo é classificado como um dos maiores fracassos da indústria e frequentemente citado como um dos piores já lançados. O jogo foi considerado tão ruim, mas tão ruim que fracassou e levou a Atari a jogar fora milhares de cartuchos em um aterro no Novo México. 

Quando chegou às lojas, E.T. the Extra-Terrestrial teve até um certo sucesso comercial, vendendo mais 1,5 milhões de cópias. Contudo, apesar das vendas, os jogadores ficaram bastante desapontados, e o game foi massacrado pela crítica, o que gerou um prejuízo alto para  Atari – que já não estava muito bem financeiramente. 

Na época, a Atari negou que estava jogando fora os cartuchos de ET, disse que o descarte era apenas de material com defeito e sem conserto, mas a lenda deles estarem se livrando dos cartuchos acabou se confirmando como verdade anos depois. A estimativa é de que tenham sido enterrados cerca de 3,5 milhões de cartuchos de E.T que não foram vendidos. 

Há uma explicação para tanta mediocridade nesses jogos. É que, quando uma desenvolvedora de games acerta um acordo de licenciamento de um longa-metragem, geralmente, sua produção já está em andamento; para que o jogo fique pronto na mesma época, os desenvolvedores precisam ter pressa e não têm tempo de fazer algo melhor. Fora que esses licenciamentos são muito caros e acaba não sobrando tanto dinheiro para a produção do game. 

No caso de ET, a licença custou US$ 21 milhões ou seja, a Atari precisava vender 4 milhões de cartuchos para cobrir o valor. Além disso, havia ainda todo o gasto com o desenvolvimento, distribuição e marketing.

O filme E.T. foi lançado em junho de 1982. As negociações para o jogo só foram feitas em julho e o game deveria ser lançado até o Natal para aproveitar o hype do longa-metragem e recuperar o dinheiro investido. Acontece que o jogo teria que ficar pronto até setembro para ser distribuído nas grandes lojas, ou seja, a equipe teve só cinco semanas para fazer o game, o que explica a péssima qualidade. 

Filmes baseados em jogos

Os filmes baseados em jogos, por sua vez, também não foram muito bem recebidos. Ainda segundo o site Cineset, a tendência de fazer longa-metragens baseados em games de grande sucesso começou na década de 90; nesse período, surgiram filmes como Super Mario Bros, de 1993, considerado, por muitos críticos, um dos piores filmes já feitos. Street Fighter: A Última Batalha, 1994, com o ator Jean-Claude Van Damme, e Mortal Kombat, de 1995, também receberam críticas, apesar de que este último recebeu uma continuação e ainda é lembrado como uma das melhores adaptações, mesmo depois de tanto tempo. Críticos afirmam que o filme de Mortal Kombat tem personagens muito bem caracterizados, ótimas lutas, efeitos inovadores e uma excelente trilha sonora. 

Quem não ficou de fora da tendência foi a nossa Lara Croft. Pois é, Tomb Raider também ganhou filmes. Foi no começo dos anos 2000. Lara foi interpretada por ninguém mais, ninguém menos que a atriz Angelina Jolie. Mais recentemente tivemos uma nova adaptação de Tomb Raider. Quem interpreta Lara Croft dessa vez é a atriz ganhadora do Oscar Alicia Vikander e é uma adaptação boa de certa forma, mas tem falhas em alguns momentos. 

Para falar de games que viraram filmes, é quase uma obrigação falar sobre Resident Evil. O game foi tão inspirado nos filmes de zumbis do cineasta americano George Romero que, quando a Capcom e a Constantin Films pensaram em uma adaptação da história para o cinema, Romero foi o primeiro a se envolver no projeto.

Aliás, Resident Evil é uma franquia famosa no cinema. Ao todo, são nove filmes, sendo seis em live action. E ainda tem mais um longa vindo por aí. Isso sem mencionar a série recém-lançada pela Netflix e outra que está em pré-produção. No entanto, não significa que essas adaptações – a maioria estrelada pela atriz Milla Jovovich – sejam bem-vistas pelos fãs. 

A história dos filmes de Resident Evil começam em 1996, juntamente com o lançamento do primeiro game para PlayStation, quando a Capcom vendeu os direitos de adaptação para a Constantin Films. E olha, teve muita treta viu? O filme só foi ser lançado seis anos depois por causa de tanto problemas nos bastidores, a começar pela demissão de George Romero, que já tinha fama de não se dobrar facilmente como foi com o lançamento de A Noite dos Mortos Vivos. Em vez de censurar a história para o filme receber uma classificação indicativa menor, ele preferiu reduzir o número de salas de exibição – e consequentemente, diminuiu o sucesso comercial. 

Romero chegou a escrever um roteiro para Resident Evil, mas que não agradou o estúdio por não ser tão “leve” quanto eles estavam pretendendo: o objetivo da Constantin era o lucro, e eles queriam que o filme recebesse uma classificação indicativa de 13 anos para atingir mais pessoas.

Com isso, Romero foi demitido e substituído por George Sluizer, de O Silêncio do Lago, que também foi mandado embora por não concordar com a visão da Constantin. Quem entrou no lugar dele foi Alan McElroy, de Spawn: o Soldado do Inferno, e adivinha? Ele também foi demitido pelo mesmo motivo. 

Finalmente contrataram Paul Anderson, diretor de Mortal Kombat de 1995, que aceitou os termos da Constantin para ter uma classificação indicativa mais baixa para Resident Evil. O diretor transformou as limitações em conceito, afirmando que os zumbis do passado não eram mais assustadores, além de trocar a estética dos games por uma aventura mais tecnológica, sem os personagens conhecidos. É claro que os fãs não gostaram das mudanças – e nem a crítica, para falar a verdade. Porém, em 2002, Resident Evil: O Hóspede Maldito foi lançado e foi um sucesso nas bilheterias. 

Mesmo havendo a inclusão de personagens conhecidos nas sequências – como a famosa Ada -, os fãs não ficaram tão felizes assim, mas não dá para negar que Resident Evil é uma franquia de filmes bastante conhecida e que acumulou muita bilheteria para a Sony.

E precisamos citar nesse vídeo o filme Terror em Silent Hill, que contém várias cenas fidedignas as do jogo e apresenta vários elementos de Silent Hill 1, 2 e 3, embora a narrativa não seja a mesma. Lançado em 2006, o longa-metragem manteve todas as criaturas e a bizarrice da cidade. Chamaram até o compositor Akira Yamaoka, o mesmo do game, para fazer a trilha sonora. Esse filme é considerado um dos melhores filmes de games feitos até hoje. 

Segundo o artigo Estéticas Narrativas do Cinema Aplicadas a Games, de Richard Nunes da Silva, foram diversos os elementos que contribuíram para a boa aceitação da adaptação.O fato de ter ido muito bem no quesito técnico foi um ponto positivo: o ambiente e clima são retratados com fidelidade ao jogo; isso fora os efeitos especiais que caíram muito bem para representar o fictício. Ah e claro, mantiveram a famosa neblina; outras cenas que remetem ao jogo original também foram muito elogiadas.  

O artigo conclui que a portabilidade entre a mídia videogame e cinema foi bem executada neste caso, porque, ainda que a história tenha mudado, não perdeu as características essenciais da série. Pode-se comprovar isso através da aceitação do público, que pôde reconhecer a história do game narrada em uma mídia diferente da original.  

Assassin´s Creed também chegou aos cinemas. O filme entregou uma aventura inédita que expande o universo dos games – e não uma história fiel à dos jogos, como muitos fãs esperavam. Os eventos do longa são citados até em Assassin ‘s Creed Origins.

Prince of Persia ganhou uma adaptação para as telonas feita pela Disney, que é até boa e mantém o clima de aventura, ainda que Jake Gyllenhaal já tenha afirmado que se arrependeu de aceitar o papel de protagonista. É importante mencionar que essa foi a adaptação de jogo que mais arrecadou na história por seis anos, sendo desbancada por Warcraft. 

Ah, e claro, teve o filme do Sonic também. Quando o filme foi anunciado, muita gente torceu o nariz para o design malfeito do personagem; os produtores receberam tantas críticas que refizeram o modelo. O que surpreendeu todo mundo foi que a história é divertida e funciona muito bem e até chegaram a produzir uma sequência.

Jogos baseados em filmes

Já do lado do cinema, temos vários jogos baseados em filmes como The Godfather: The Game, baseado em O Poderoso Chefão. O jogo foi lançado a contragosto do diretor, mas é uma ótima versão, tendo uma jogabilidade estilo GTA de mundo aberto. O jogo se passa durante a história do primeiro filme, de 1972 e o protagonista participa de alguns eventos marcantes da trama. 

Outro exemplo é Mad Max, que foi inspirado no filme homônimo. No game, a protagonista da história deve derrotar vilões que comandam o mundo pós-apocalíptico. 

Ao longo da história, vários cineastas participaram da produção dos jogos baseados em seus filmes. As Irmãs Wachowski, diretoras de Matrix, por exemplo, ajudaram no desenvolvimento do jogo Enter the Matrix, que tinha o objetivo de expandir o universo da trilogia. Porém, mesmo com a participação delas, o jogo não teve uma boa recepção. 

O diretor de Avatar, James Cameron, também tentou ajudar a Ubisoft e produzir o game do filme, mas não teve sucesso, assim como Peter Jackson, que tentou trabalhar junto com a mesma empresa para produzir King Kong. 

Filmes com temática de videogame

No cinema, também há filmes com a temática de videogame, não sendo necessariamente baseados em um jogo específico, mas em todos. É o caso de Pixels, estrelado por Adam Sandler, em que, para conquistar a terra, uma raça alienígena cria monstros inspirados em videogames da década de 1980. Cinco especialistas em arcades são chamados para combatê-los. 

Além disso, temos também a animação Detona Ralph, que é repleto de referências a games e até conta com a aparição de alguns personagens famosos, que emociona os gamers. Na trama, Ralph, o protagonista, está cansado de ser um vilão e para ganhar a atenção dos outros personagens de seu jogo, ele sai em busca de uma medalha em outros games do fliperama para provar o seu valor. O longa é uma grande homenagem ao mundo dos videogames.

Leticia
Leticia

Sou escritora, jornalista e completamente apaixonada por tudo que envolve cultura pop. Instagram e twitter: @leticiahofke