Desde a sua estreia em 2015, a série de jogos de aventura narrativa “Life is Strange” cativou milhões de jogadores ao redor do mundo, o que formou uma comunidade que segue apaixonada até os dias de hoje. A abordagem focada na trama e em escolhas morais significativas para o seu desenvolvimento escolhida pela DON’T NOD, estúdio responsável pelo game, fez com que a série fosse um marco na indústria de videogames narrativos, o que não apenas acumulou sucesso comercial, mas também estabeleceu um duradouro e importante legado para a franquia no mundo dos jogos.
O Início Avassalador de Life is Strange
O jogo de estreia da franquia “Life is Strange” nos apresentou a Max Caulfield, uma jovem estudante de fotografia que descobre o poder de voltar no tempo após um evento traumático. O jogo foi um inesperado sucesso, vendendo 3 milhões de cópias em seus dois primeiros anos de lançamento e tornando Max uma das principais protagonistas de jogos lançados em 2015, sendo ela a favorita de grande parte dos fãs até hoje, muito por conta da fácil identificação que os jogadores podem ter com ela.
Dividido em cinco capítulos, o primeiro Life is Strange confronta os jogadores com dilemas morais conforme eles mergulham no cotidiano e nos mistérios da fictícia cidade de Arcadia Bay, nos Estados Unidos. No jogo as escolhas vão desde pequenas decisões cotidianas até outras que afetam o destino de tudo e vidas inteiras, algo que pode ser driblado em alguns momentos com os poderes de Max, mas que pode ser um desastre caso o jogador os use sem gravar informações importantes, visto que existem decisões que não podem ser mudadas.
Assim, a habilidade de voltar no tempo ao mesmo tempo é uma bênção e uma carga, forçando Max e o jogador a lidarem com as consequências imprevistas de suas ações, tudo isso enquanto temas maduros como depressão, amizade, bullying e até mesmo abuso são retratados ao longo da trama.
Expansão do Universo e Sequência
O sucesso do jogo de estreia criou uma demanda crescente por mais conteúdo da série, o que fez com que em 2017 fosse lançada uma prequel intitulada “Life is Strange: Before the Storm”. Feito pela Deck Nine, sem o envolvimento da DON’T NOD, Before the Storm permite que os jogadores explorem a história da melhor amiga de Max, e personagem do jogo original, Chloe Price, antes dos eventos do primeiro jogo.
Novamente, temas maduros como família e autoconhecimento são abordados, enquanto jogadores conhecem mais sobre a vida de Chloe e Rachel Amber antes de Max retornar à Arcadia Bay. Com três capítulos principais e um extra, onde jogamos em um dia específico da infância de Max e sua melhor amiga, o jogo foi um retorno a uma Arcadia Bay “mais simples”, sem poderes para serem explorados, mas com novidades para os fãs de Life is Strange.
E no ano seguinte, 2018, os fãs tiveram a primeira sequência da história da série com o lançamento de “Life is Strange 2”, que, para a surpresa dos fãs, não continuou a jornada de Max, mas sim introduziu os irmãos Sean e Daniel Diaz como protagonistas. Filhos de um imigrante mexicano, os “Irmãos Lobo” chegaram com dinâmicas e mecânicas únicas na série, assim como um poder inédito: telecinese.
A telecinese inclusive é um dos destaques do jogo por funcionar de uma forma única: o protagonista Sean não possui o poder, mas sim Daniel, o seu irmão mais novo. Por conta disso, cabe ao jogador assumir o papel de irmão mais velho e instruir Daniel sobre o uso de seu poder, de acordo com o que for o moralmente correto ou apenas a vontade do jogador.
A novidade não agradou muito os fãs do arco de Arcadia Bay, que preferiam ter controle total dos poderes de Max, o que machucou a recepção e as vendas do jogo, mas novamente a DON’T NOD conseguiu criar uma história profunda sobre laços familiares, o amadurecimento forçado e moralidade através dos videogames. Com um tom extremamente político, visto que foi lançado meses antes das eleições presidenciais dos Estados Unidos, Life is Strange 2 traz temas como violência policial e racismo institucional para os PCs e consoles, além de também mergulhar em temas como xenofobia, extremismo religioso e até mesmo sexualidade.
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Diversidade: Personagens latinos nos videogames
Uma das “vantagens” de Life is Strange 2 para os títulos anteriores da franquia que vale ser citada é o peso maior em cada escolha, já que não tem como voltar atrás, o que gera um total de quatro finais diferentes, com sete variações possíveis – o maior número de possibilidades de toda a saga até então. Além disso, o jogo proporcionou o mini-episódio gratuito “The Awesome Adventures of Captain Spirit”, que apresenta um personagem inédito em uma divertida jornada de brincadeiras em seu próprio quintal.
Lições de Empatia e Reflexão
O que realmente diferencia a franquia “Life is Strange” é a capacidade dos jogos de se conectarem profundamente com os jogadores, proporcionando uma experiência emocional única. As escolhas morais apresentadas fazem com que os jogadores ponderem sobre os seus próprios valores e como suas ações irão impactar significativamente os personagens e o mundo que cativaram o seu coração.
Essa abordagem estimula a empatia e a autorreflexão, transformando a experiência de jogo em uma jornada introspectiva para o próprio jogador, enquanto a série também se destaca por retratar personagens diversos e complexos, sempre trazendo representatividade e lidando com questões sérias da vida real, como bullying, depressão, ansiedade e questões familiares. Isso permitiu que muitos jogadores se identificassem com as histórias apresentadas e encontrassem apoio emocional ao verem suas próprias lutas refletidas no mundo virtual.
A prática é algo tão forte na franquia que acabou se tornando um poder em “Life is Strange: True Colors”, o jogo mais recente da série, lançado em 2021. True Colors traz o poder psíquico da Empatia para a protagonista Alex Chen, que graças a ele consegue sentir, absorver os sentimentos de outras pessoas e também enxergar as suas auras e foca em criar raízes, pertencimento e criar laços, tudo isso enquanto uma misteriosa tragédia toma conta dos corações da comunidade de Haven Springs, uma cidade fictícia criada para o game.
O novo jogo ainda expande a história de Steph Gingrich, personagem apresentada em Before the Storm, com o conteúdo extra Wavelengths, onde o jogador conhece um pouco mais sobre sua vida antes de True Colors e descobre como os eventos do primeiro jogo afetaram a personagem.
Representatividade
Um dos grandes pontos de “Life is Strange” é a forma com que a franquia é diversa e muito bem representativa com suas criações, tendo protagonistas latinos e asiáticos. Em conjunto disso, DON'T NOD e Deck Nine optaram por que todos os personagens jogáveis fossem LGBTQIAP+, com possibilidades de romance do mesmo sexo ou do sexo oposto.
Porém, os jogos não se limitam em trazer isso de uma forma vazia, sempre com os temas sendo tratados de uma forma realista e respeitosa, com a vivência dos personagens sendo influenciadas por isso, o que se faz notar nos temas sensíveis da série e se traduz na base de fãs de Life is Strange, que conta com um alto número de gamers membros da comunidade LGBTQIAP+.
Remakes e Outras Mídias
Com seu sucesso comercial, “Life is Strange” provou que a indústria de jogos evoluiu para além dos tradicionais gêneros de ação e esportes com o passar dos anos, se abrindo para experiências envolventes e emocionalmente profundas. Porém, a série transcendeu os videogames, se expandindo para outras mídias.
Mesmo com alguns momentos de baixa, o sucesso da franquia Life is Strange rendeu uma série de quadrinhos iniciada em 2018 pela Titan Comics, com diversas publicações focadas em Max e Chloe após os eventos do primeiro jogo. Apesar de não serem oficialmente canônicas, as HQs honram os eventos dos dois finais disponíveis em Life is Strange, dando continuidade para as personagens e trazendo até mesmo outros protagonistas da franquia para interagir com elas, algo que agradou muito aos fãs.
Em conjunto disso, a série chegou a ganhar um livro canônico focado na vida de Steph Gingrich, personagem de Before the Storm e True Colors. Batizado de “Life is Strange: Steph’s Story”, o livro narra eventos anteriores a chegada da baterista em Haven Springs, com a jornada para formar a banda Drugstore Makeup e sua vida como uma jovem lésbica.
Nos videogames, a “duologia Arcadia Bay”, que inclui o Life is Strange original e a prequel Before the Storm, ganhou uma versão remasterizada em 2022. As novas versões mantiveram todo o conteúdo dos jogos, adicionando melhorias visuais nas expressões faciais e movimentação dos personagens graças ao uso da tecnologia de captura de movimento.
Um Legado Duradouro
Além de seu impacto emocional na comunidade de fãs, “Life is Strange” alcançou um sucesso comercial impressionante para um jogo tão nichado, o que criou um legado para o gênero de aventuras narrativas. Mesmo não sendo o primeiro jogo do gênero, que se tornou popular por títulos como Heavy Rain, da Quantic Dream, e criações da Telltale Games, a série criou um espaço especial para jogos que focam em criar experiências e laços sentimentais entre personagem e jogador.
A série ganhou prêmios que vão desde o de Jogo Mais Impactante no The Game Awards 2015 até o BAFTA Video Games Award de História em 2016, além de Ashly Burch, intérprete de Chloe Price, ter sido reconhecida como a Melhor Performance do Ano no Golden Joystick Awards 2015 por seu trabalho em Life is Strange. Sua influência pode ser vista facilmente em outros jogos que abraçaram uma abordagem focada na narrativa e nas escolhas dos jogadores.
Além disso, a comunidade de fãs de “Life is Strange” continua vibrante e ativa mesmo após vários anos desde o lançamento do primeiro jogo, acompanhando fielmente os novos lançamentos enquanto mantém seu vínculo com os personagens através de fanarts, fanfics e teorias sobre o que está por vir, mantendo o universo da série vivo. Atualmente, a franquia não possui mais relações com a DON'T NOD, com novos jogos ficando a cargo do estúdio Deck Nine e sua publicação sendo feita pela gigante Square Enix.