O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

 

Para muitas pessoas quando o assunto é o primeiro console de videogame da história a imagem que vem à mente é a do Atari 2600 e do engenheiro e empresário Nolan Bushnell, fundador da empresa Atari. Talvez isso se deva ao fato de que o Atari 2600 ganhou uma popularidade até então inédita para um console, fazendo o nome da empresa se tornar a referência mais antiga de videogame na memória de muitos.

Mas o Atari 2600 sequer faz parte da primeira geração de consoles. Apesar desses equívocos, não chega a ser desconhecido o fato de que o primeiro console se chamou Magnavox Odyssey, e é justamente a sua história que será contada neste artigo: o surgimento do primeiro console de videogame numa época em que as ideias de videogame e console como conhecemos hoje nem sequer existiam!

E essa história começa com um homem (e ele não é Nolan Bushnell, que também tem seu lugar marcadíssimo na história dos games) eu estou falando de…

Ralph Baer e sua ideia

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey
O estudante Ralph Baer aos 17 anos em 1939, anos mais tarde ele conceberia a ideia do primeiro console caseiro de videogame.

Rudolph Heinrich Baer nasceu na Alemanha em 1922, e aos 14 anos foi expulso da escola por conta da sua ascendência judaica; era o início da ascensão do nazismo e, como bem sabemos, essa ideologia nefasta e seu regime político continuariam crescendo naquela sociedade.

 Por isso, em meio à intensificação do antisemitismo, o pai de Baer, um sapateiro judeu na pequena cidade de Pirmasens, decidiu migrar com a família para a América, chegando a Nova York em 1938, poucos meses antes da perseguição aos judeus se intensificar em violência na Alemanha.

Uma vez nos Estados Unidos o jovem Rudolph Baer adotou o nome de Ralph, e acabou conseguindo emprego numa fábrica onde ganhava 12 dólares por semana.

Foi nessa época que ele viu um anúncio enquanto esperava ônibus em uma estação, era sobre um curso no ramo em ascensão da eletrônica. O jovem Baer então teve a ideia de tentar uma oportunidade naquela área, e aquela não seria a última vez que ele teria uma ideia importante enquanto esperava ônibus… 

De qualquer modo ele se formou técnico de serviço de rádio em 1940, época em que o rádio era uma das mídias mais importantes, época também em que a segunda guerra mundial se iniciava, e logo os Estados Unidos entrariam nela, enviando muitos dos seus jovens, incluindo Ralph Baer, para servirem em postos na Europa. 

Baer então voltou ao seu continente de origem, mas dessa vez ele era um cidadão norte americano a serviço do exército daquele país, e serviu na inteligência militar do quartel general do exército americano em Londres. 

De onde retornou em 1946 e passou a  contribuir com museus e exposições com as peças de armamento que ele havia trazido daquela guerra, o que lhe ajudou a intensificar seus contatos nos meios militares. 

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Ralph Baer servindo no exercito americano na Segunda Guerra mundial em 1944

Naquele período os Estados Unidos aprovaram um conjunto de benefícios para os veteranos que tinham voltado da guerra; entre esses benefícios estavam recursos para acesso à educação, e Baer se valeu deles para retomar seus estudos no campo da eletrônica.

Mas dessa vez o rádio não era seu foco, e sim o aparelho central de uma nova mídia em ascensão, a Televisão. Em 1949 ele concluiu uma graduação científica em engenharia de TV, mas o primeiro emprego que conseguiu como engenheiro eletrônico foi numa empresa que produzia equipamentos médicos.

 Porém ele mudaria de empresa várias vezes até que, tendo servido na inteligência militar, conseguiu em 1951 um trabalho na Loral Electronics, empresa que tinha contrato com o setor de defesa americano. 

Lá ele foi designado para a produção de um aparelho de TV, e foi trabalhando nesse projeto que ele pensou que se um aparelho de TV recebe sinal através de uma estação remota, talvez pudesse receber sinais locais da parte do seu próprio usuário, fazendo com que a tela mostrasse algo que ele pudesse controlar ao invés de apenas assistir. Essa ideia de Baer sobre um dispositivo que permitisse ao usuário enviar sinais controláveis para a TV foi o embrião do conceito de console doméstico

A empresa não demonstrou qualquer interesse na ideia. Mas Baer nunca a esqueceu completamente, ela continuaria em sua mente até que ele tivesse a oportunidade de iniciar…

 

O desenvolvimento do primeiro console de videogame

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Ralph Baer com a mão na massa como engenheiro eletrônico.

Os anos se passavam e o trabalho de Baer exigia dedicação, mas a ideia dum dispositivo local que enviasse sinais à TV colocava uma questão que frequentemente ocupava a mente do engenheiro: se o dispositivo permitiria ao usuário enviar sinais controláveis pra TV o que apareceria na tela pra ser controlado? O que de interessante poderia ser gerado por um aparelho local pra ser controlado numa TV?

Uma resposta promissora surgiu na mente de Baer 15 anos depois: no ano de 1966, enquanto esperava um ônibus, ele pensou que os sinais que o aparelho enviaria à TV poderiam funcionar como um jogo interativo.

Curioso que mais uma vez ele teve uma ideia importante enquanto esperava ônibus, assim como anos antes tinha decidido cursar eletrônica enquanto esperava numa estação; talvez, se na época existissem smartphones, ele estivesse ocupado demais vendo vídeos curtos no Tiktok ou rolando o feed do Instagram e não teria tempo de ter essas ideias…

 Seja como for, nessa época ele já não trabalhava na mesma empresa, agora ele era chefe da divisão de design de equipamentos de outra companhia com contratos militares, a Sanders Associates.

 E, com o conceito do aparelho mais elaborado, resolveu tentar novamente que a companhia em que trabalhava apoiasse o projeto. Na manhã seguinte ele escreveu uma proposta de quatro páginas sobre um dispositivo que enviaria sinais controlados a uma TV ao se plugar nela, esses sinais seriam sintonizados como um canal de TV, que na proposta ele chamou de LP Channel, LP era uma abreviatura de “Let’s play” ou “vamos jogar”, pois os sinais que o aparelho enviaria seriam controlados pelo usuário em jogos.

 Ele seguiu com algumas ideias de como poderiam ser esses jogos e um provável preço de venda do aparelho que chamou de “Game Box”: 25 dólares da época, o equivalente a pouco mais de 200 dólares de hoje.

Mas esse aparelho era algo completamente novo: não existiam consoles de videogame e também não existiam os conceitos de console e videogame como os conhecemos hoje! 

O próprio Baer não pensava nesses termos. Embora jogos eletrônicos de computador existissem desde a década de 50, eles eram experiências incipientes em osciloscópios e computadores imensos de laboratórios de universidades, não existia algo à venda que pudesse ser considerado videogame, não existia a indústria de games!  

Um dispositivo tão original tinha pouco a ver com qualquer coisa que a empresa produzisse nos seus contratos militares! Por isso dessa vez Baer não apresentou a proposta de cara: ele queria ter algo mais palpável para que a ideia soasse mais convincente, então escolheu uma sala vazia na empresa para trabalhar num protótipo que pudesse apresentar junto com a proposta que tinha escrito.

Ele designou Bob Tremblay, um dos técnicos que trabalhavam sob sua liderança, para auxiliá-lo no projeto da “Game Box”. 

E em dezembro daquele ano tinham terminado um protótipo que chamaram de “TV Game Nº1”, um aparelho que permitia que o usuário controlasse uma linha vertical na tela de uma TV. Com esse protótipo e a proposta escrita, Baer procurou Herbert Campman, o diretor de pesquisa e desenvolvimento da empresa, e apresentou sua ideia.

Campman hesitou mas acabou concedendo um custeio modesto para que Baer tocasse a ideia, fazendo da “Game Box” um projeto oficial da empresa. Baer então recrutou o técnico Bill Harrison para ajudá-lo com as melhorias para o protótipo. 

O projeto seguiu assim até o ponto em que Baer sentiu necessidade de pensar especificamente em jogos que pudessem ser criados com o sinal do aparelho, por isso ele conversou com um funcionário que não estava no projeto, o engenheiro Bill Rusch.

Essa conversa resultou em várias ideias e, com a ajuda delas, Baer e Harrison pensaram num game em que dois jogadores competiam para encher baldes apertando rapidamente um botão, além duma espécie de pega-pega em que cada jogador controlaria um ponto que perseguira o outro, e mais notavelmente pensaram num controle em forma de rifle com um sensor de luz na ponta, para um game em que o jogador deveria atirar num ponto luminoso na tela. Era a ideia da primeira lightgun dos consoles, quando ainda nem haviam consoles!

Então construíram um segundo protótipo incorporando esses elementos e voltaram a Campman para apresentá-lo. Dessa vez o diretor achou o projeto mais sólido e gostou da ideia do jogo de atirar com o rifle, por isso colocou mais dinheiro no custeio do projeto e recomendou que Baer o apresentasse à direção geral da empresa. 

E Baer fez isso, mas os membros do conselho gestor não demonstraram muito interesse, apenas dois ou três deles exibiram algum entusiasmo, ainda assim Royden Sanders, o diretor executivo da companhia, autorizou a continuidade do projeto com o objetivo de vender ou licenciar o console como um produto comercial.

De volta ao trabalho, Baer e Harrison perceberam uma dificuldade: o aparelho estava envolvendo componentes eletrônicos que deixariam o preço final mais caro que o inicialmente proposto, por isso desenvolveram um terceiro protótipo que funcionasse com menos componentes na intenção de baratear o produto. 

Mas aí surgiu outro problema: excluindo tantos componentes talvez o resultado fosse um produto com tão poucos recursos que seria desinteressante, além disso Baer sentia que os jogos que estavam criando simplesmente não eram muito divertidos e eles estavam empacados, não conseguiam ideias melhores, faltava algo.

Devido a esse problema, Baer resolveu voltar a Bill Rusch, o colega com quem antes tinha conversado sobre ideias para os jogos, e incluiu ele no projeto. Na verdade, Baer e Harrison consideravam Rusch alguém com quem era difícil de trabalhar, mas reconheciam a sua criatividade, e não estavam errados em reconhecer, logo Rusch traria o elemento que faltava: uma bola quadrada

Eu explico: Rusch conseguiu arrumar uma maneira do console exibir um terceiro ponto controlável na tela, com esses três pontos e dois controles ele propôs um jogo de ping pong: os jogadores controlavam dois pontos com um joystick cada, o terceiro ponto controlável representaria a bola (apesar de ser um quadrado) e reagiria aos movimentos dos pontos controlados diretamente pelos jogadores realizando os elementos básicos dum jogo de ping pong interativo na TV.

Baer sentiu que aquela ideia poderia manter alguém se divertindo por mais tempo com o aparelho, mas provavelmente nenhum dos três tinha ideia da importância que aquele conceito teria para uma ainda inexistente indústria de games.

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E com essas novas ideias a equipe formada por Baer, Harrison e Rusch desenvolveu um quarto protótipo com três jogos e três tipos de controle: o jogo de pega-pega com joysticks de alavancas, o jogo de tiro com o controle/rifle, e controles com botões de girar pro jogo de ping pong.

Mais uma vez levaram o novo protótipo a Campan, que dessa vez considerou que já tinham o bastante para pensar na fabricação do produto em escala comercial.

Mas, como a Sanders não estava no negócio de fabricação e comércio de eletrônicos ao grande público, a ideia era procurar um fabricante para quem pudessem vender os direitos de produção do console.

A partir daí eles seguiram em dois caminhos simultâneos: por um lado continuavam aprimorando o aparelho e fazendo novos protótipos, por outro tentavam apresentar o console para provedoras de TV a cabo na esperança de que alguma comprasse os direitos de fabricação e comercialização do primeiro console doméstico.

Algumas dessas empresas até demonstraram interesse na novidade, mas nessa época a economia do país passou por um período ruim no setor, fazendo com que propostas e negociações fossem deixadas em suspenso.

 A própria Sanders não passou ilesa por esse período difícil, e, preocupada em cortar custos, paralisou o desenvolvimento do projeto de Baer, que a essa altura já estava no quinto protótipo

Alguns meses depois a empresa voltou a custear o projeto, porém Bill Rusch foi cortado da equipe e Baer, junto com Harrison, seguiram aprimorando a máquina, mas sem conseguir ninguém para fabricá-la.

 Um sexto protótipo foi desenvolvido, e as melhorias que depois produziram para ele resultaram num sétimo modelo. Esse sétimo protótipo foi chamado de “Brown Box”, a “Caixa Marrom”,   devido ao adesivo cor de madeira que cobria a carcaça do aparelho.

 A Brown Box era de longe a versão mais madura e completa daquele projeto até então, algo que, nos padrões de hoje, seria facilmente reconhecido como um console de videogame, ainda que rudimentar.

 

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A Brown Box, a “geração zero” dos consoles

 

Mas naquela época, como já sabemos, o conceito de console não existia, e Baer ainda penava para conseguir um fabricante para a Brown Box quando foi registrar a sua patente. 

 

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Um dos desenhos da patente da Brown Box

 

Foi durante esse processo que um advogado de patentes aconselhou que ele procurasse fabricantes de aparelhos de TV ao invés de provedoras de TV a cabo.

O conselho foi seguido e Baer levou o aparelho a várias dessas companhias até que a RCA demonstrou interesse no console, as negociações se iniciaram mas nunca conseguiram chegar a um acordo. 

Porém, apesar do fracasso das negociações, um dos executivos da RCA não esqueceu daquele aparelho de jogos na TV. Ele se chamava Bill Enders e acabou saindo da RCA pouco depois, indo trabalhar em outra fabricante de TV’s chamada Magnavox

Uma vez na nova empresa ele falou sobre o aparelho que um engenheiro tinha produzido na Sanders e ainda não tinha um fabricante, e tentou convencer os diretores da empresa a darem uma chance a Baer de demonstrar para eles a Brown Box.

Agora se coloque na pele desse executivo, ele estava tentando descrever a ideia de um console de videogame numa época em que consoles ainda não existiam

Imagine tentar explicar e vender uma ideia para pessoas que não tem qualquer referência pra entender do que você está falando! Talvez quem tenha tentado pedir a seus pais um videogame na década de 80 explicando que era uma máquina que você conectava na TV e podia jogar na tela possa ter uma ideia do que ele passou.

 Mas o executivo conseguiu! E em 1969 Baer demonstrou a Brown Box para os executivos da Magnavox.

A reação geral não foi muito entusiasmada, mas alguns dos mais importantes deles foram a favor da ideia, e a Magnavox concordou em negociar os direitos de produção do aparelho. 

Essa negociação foi longa, mas em 1971 a Sanders e a Magnavox finalmente assinaram um contrato: o aparelho de Baer pra jogar na TV seria fabricado e comercializado para o grande público.

Agora vamos fazer uma pequena linha do tempo: a primeira vez que Baer teve a ideia de um aparelho que enviasse sinais locais controláveis para uma TV foi em 1951, mas a companhia em que trabalhava na época não demonstrou interesse.

15 anos depois, em 1966, ele teve a ideia de que aquilo que poderia controlar na TV seriam jogos, e começou a produzir um protótipo que foi aceito como projeto pela companhia em que trabalhava no momento. 

Um ano de trabalho depois, em 1968, ele conseguiu um protótipo completo o suficiente para que pensassem em procurar um fabricante, mas ninguém comprou a ideia e ele seguiu melhorando ela até produzir a Brown Box dois anos depois, em 1969; e apenas em 1971 as negociações foram finalizadas para que a produção industrial do aparelho começasse.

Da primeira ideia ao contrato de fabricação foram 20 anos de sugestões, incertezas, tentativas, percalços e trabalho. 

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Ralph Baer trabalhando na Brown Box

 

Com o perdão do trocadilho, dá pra dizer que a história do Odyssey foi uma odisseia.  Mas, se o nome do console era Brown Box, de onde veio esse “Odyssey“? 

Quando a Magnavox comprou os direitos de fabricação do console a intenção era fazer um produto final com a sua própria marca e do seu próprio jeito

Eles nunca quiseram simplesmente pegar a Brown Box e produzi-la tal e qual era em nível industrial, por isso pegaram o console/protótipo e entregaram a sua própria equipe para que o estudassem e fizessem modificações, mantendo Baer e Harrison como consultores externos. 

  Essa equipe elaborou um design completamente diferente para a carcaça do aparelho. já os controles não só receberam um design novo como foram reduzidos apenas aos modelos com botões giratórios: os joysticks com alavancas seriam descartados e o rifle seria reservado como um add on vendido separadamente (a indústria de games já priorizava lucros desde o seu alvorecer…) .

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey
Um Magnavox Odyssey autografado pelo seu inventor.

E as modificações não se limitaram ao design, o circuito interno do console foi produzido com componentes mais baratos ao invés da melhor tecnologia disponível na época. 

as cores foram retiradas: o console exibiria seus pontos e traços na cor branca contra um fundo preto, essa decisão se deveu ao fato de que naquela época as televisões a cores já existiam mas ainda eram consideradas um item de luxo.

Mas a mudança mais significativa foi no modo como os jogos eram selecionados: a Brown Box tinha chaves no console que quando movidas trocavam o jogo; já na versão da Magnavox o console teria um slot onde cartuchos deveriam ser inseridos para mudar o jogo.  

Mas não estamos falando do que conhecemos como cartucho de videogame a partir dos consoles de segunda geração como o Atari 2600: aqueles “game cards” que a Magnavox produziu não tinham uma memória ROM com um jogo, eram meros jumpers que modificavam o circuito interno trocando o funcionamento para mudar o jogo; eles faziam o mesmo que as simples chaves da Brown Box, e foram criados apenas com o intuito de poderem ser vendidos separadamente

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“game card” do Odyssey

A essa altura o console recebeu o nome de Skill-O-Vision, e recebeu mais uma mudança além do design dos componentes e a parte eletrônica, na verdade essa última foi mais uma adição do que uma mudança: à medida em que os jogos iam sendo desenvolvidos com base nos que existiam na Brown Box a equipe foi sentindo uma necessidade de “esclarecer” aqueles games, os gráficos do console se resumiam a 3 pontos e uma linha, algo muito mais rudimentar que o que poderia ser visto anos depois no Atari 2600; aquilo exigia muita imaginação por parte dos jogadores e explicações por escrito nos manuais para que os jogos pudessem ser entendidos.

Por isso decidiram incrementar o jogo com cenários, mas nem passava pela cabeça de alguém desenvolver cenários com gráficos dentro do jogo, aquele aparelho com seus pontos e sua linha jamais permitiria que pensassem em produzir isso pra ele.

 Por isso a ideia que tiveram de cenários eram placas de plástico transparente que viriam com o console e o jogador colocaria elas na tela da TV, a estática da TV manteria elas grudadas, e a transparencia permitiria que os pontos e a linha na tela fossem vistas através da placa, cada jogo teria a sua.

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Odyssey e o conjunto de acessórios e “cenários” de tela que o acompanhava
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Exemplo de “cenário” grudado à tela enquanto quadrados luminosos eram controlados pelo joystick realizando a jogatina

 

Vistas hoje em dia essas placas parecem uma gambiarra pra compensar a quase ausência de gráficos do console. E, de certo modo, era isso mesmo que elas eram!

 Além disso, o console simplesmente não tinha um processador de dados, ele apenas gerava sinais de tv e permitia que fossem controlados de modos específicos. 

Por isso ele não era capaz de, por exemplo, contabilizar os pontos no jogo de ping pong, os próprios jogadores deveriam fazer isso fora do console.

Por isso pensaram em incluir acessórios de jogos de tabuleiro para complementar a experiência da tela: cartas, fichas, dinheiro de brinquedo e coisas do tipo.

Essa parafernalha fazia o que aparecia na tela soar como uma versão virtual de um tabuleiro. Baer detestou a ideia desses itens, achou eles sem sentido e considerou que seriam ignorados pela maioria dos jogadores. 

Mas essas adições aumentaram o preço do console para cerca de 99 dólares da época, o equivalente a cerca de 647 dólares atuais e foram mantidas.

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Parafernália que acompanhava o Odyssey

Esse preço também desagradou Baer que sempre quis que o aparelho fosse mais acessível.

Por fim o nome Skill-O-Vision foi trocado por Odyssey e foi preparado um pacote com o controle de rifle, esse pacote seria vendido separadamente, um “add on” com 4 jogos de tiro, incluindo um chamado “Shootout” que viria com uma cenário plastico para a tela que fazia ele parecer uma “versão pré-histórica” da fase de bônus de Sunset Riders

 

Com esse design, jogos, add-ons e objetos o Magnavox Odyssey ficou pronto e foi programado para o ano de 1972 o…

 

 

Lançamento do primeiro console de videogame da história

 

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

Hoje o lançamento de um console é o momento em que é colocado no mercado um novo aparelho que por existir já promete avanço ou uma proposta nova para os games, por isso toda uma expectativa (ou “hype” opara quem prefere estrangeirismos) é criado e a atenção de jogadores em todo o mundo é fisgada.

Com o primeiro console foi muito diferente, e não tinha como não ser: não havia jogadores pra esperar o console, ninguém sabia o que era um console

A indústria dos games estava começando, o mundo ainda não era tão globalizado, e por essas razões um lançamento mundial seria impensável.

A Magnavox fez um lançamento modesto cobrindo apenas parte dos Estados Unidos, e seu marketing se concentrou em mostrar o que era aquilo que estavam lançando e porque deveria merecer alguma atenção do público. 

Para isso compraram um espaço num programa popular de TV e anunciaram o console meses antes do lançamento. O curioso é que, como o conceito de videogame ainda não estava em uso, o Odyssey foi anunciado como “o novo jogo eletrônico do futuro”, e até como “playground eletrônico de circuito fechado”.

Além dessa e de outras propagandas na TV, também foram realizadas demonstrações do console em eventos e as primeiras jogatinas de teste da história da indústria de consoles; e a resposta geral do público que testou o novo aparelho foi bastante positiva, por isso a Magnavox estava confiante quando finalmente lançou o console em setembro de 1972, há 51 anos atrás. 

Mas a venda do console aconteceu apenas através de representantes locais da Magnavox, e o marketing ficou em grande parte a cargo desses representantes, que deveriam anunciar o produto em suas áreas de venda. 

A Magnavox imaginou que, como o Odyssey era o primeiro aparelho do seu tipo e tinha sido propagandeado, as pessoas visitariam as lojas desses representantes especificamente em busca do console. 

Mas não foi bem isso que aconteceu, ou melhor, aconteceu numa escala menor do que imaginavam.

Três fatores trabalharam contra a recepção inicial do primeiro console: primeiramente a campanha descentralizada de marketing a cargo dos representantes locais não foi uma boa estratégia; em segundo lugar muitos desses representantes induziram o público a acreditar que o console só funcionaria em televisões da própria Magnavox, na tentativa de fazer venda casada das TV’s junto com o console.

 Isso não era verdade, o Odyssey funcionava em qualquer TV, mas o público simplesmente desconhecia o que era um console de videogame e, como ele levava o nome da Magnavox, era fácil de ser induzido a acreditar que só funcionava em televisores daquela fabricante. 

Por fim, o elevado preço final não era nada convidativo se tratando de um tipo de aparelho que ainda não era conhecido. 

Baer ficou bastante contrariado com esse preço e com os casos em que representantes davam a entender que o console só funcionaria em TV’s da mesma marca. 

A Magnavox chegou a pensar em descontinuar o Odyssey, mas -apesar das baixas vendas iniciais- uma demanda lentamente foi se formando, por isso continuaram produzindo o console e nos anos seguintes estenderam sua comercialização a todo o território do país, e logo venderiam ele também no exterior, mas o Brasil ficou de fora de uma representação oficial da Magnavox para a venda do console.

O curioso é que antes do Odyssey chegar oficialmente na Europa uma empresa espanhola chamada Inter Electrónica S.A. copiou seu hardware com uma carcaça diferente e o lançou na Espanha como um produto próprio chamado Overkal, que acabou sendo o primeiro console da Europa e ao mesmo tempo o primeiro clone de um console, um ancestral do Polystation!

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey
Overkal, o primeiro console clone

A Magnavox barateou o console em 1973, vendendo ele quase pela metade do preço se fosse comprado junto com uma TV da mesma fabricante, e ainda pensou em produzir uma versão lite com menos jogos para baixar ainda mais o preço, junto com outra versão mais robusta com mais jogos e tipos de controle, mas esses projetos não vingaram. 

O próprio Baer propôs desenvolver um add-on que adicionasse som aos jogos (não, o Odyssey não tinha som) e também um novo tipo de controle para um novo jogo de golfe, mas a Magnavox acabou rejeitando essas ideias e preferindo lançar 4 novos jogos elaborados pela sua própria equipe. 

Mas as coisas estavam mudando e em breve o Magnavox seria descontinuado, mas não sem deixar um…

 

Legado e muitos processos: a importância do pioneiro na história dos consoles

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

Em 1974 a Philips comprou a Magnavox, que se tornou uma subsidiária e continuou produzindo o Odyssey. Mas no ano seguinte, 1975, a inflação elevou o preço dos componentes do console tornando-o mais caro de produzir, a não ser com um preço final tão alto que resultaria em pouquíssimas vendas. Foi quando o Odyssey foi descontinuado. 

Mas ainda havia demanda por ele, sobretudo pelo seu jogo de Ping Pong que continuava popular, e essa popularidade se deve em grande parte à Atari.

 Nolan Bushnell, o fundador da Atari, assistiu a uma das demonstrações do Odyssey num evento pouco antes do seu lançamento, ele viu o Ping Pong do Odyssey e gostou da ideia, por isso descreveu brevemente o funcionamento daquele jogo para o engenheiro Allan Alcorn, que trabalhava na Atari, e pediu que ele construísse um arcade a partir daquela ideia, ele só não mencionou que tinha visto a ideia em outro aparelho! 

Alcorn desenvolveu o Arcade de Pong que foi lançado meses depois do Odyssey e se tornou uma febre. A popularidade desse arcade levou muitas pessoas a comprarem o Odyssey apenas pela possibilidade de jogar um jogo como Pong em casa: o ping pong do Odyssey! 

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

Baer chegou a ironizar dizendo que deveriam ter parado de criar jogos quando fizeram o Ping Pong, afinal ele era de longe o jogo mais popular do console

 Por conta da demanda persistente por esse jogo a Magnavox, quando descontinuou o Odyssey, lançou o Odyssey 100, um console dedicado, isto é, um console que rodava apenas jogos que já trazia em si, sem possibilidade de receber outros via cartuchos ou qualquer outro meio. 

Os controles do Odyssey 100 eram botões giratórios no próprio console e ele não tinha cenários plásticos para a tela nem nada da parafernália de jogos de tabuleiro do Odyssey, ele era bem mais barato de produzir e trazia um jogo de Hockey e, é claro, o jogo de ping pong,

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey
Magnavox Odyssey 100, um console dedicado

 

Esse console iniciou uma série seguida pelo Odyssey 200 e vários outros consoles dedicados. Na verdade o Odyssey original não pode ser considerado um console dedicado porque recebia cartuchos, mas eles apenas alteravam o funcionamento da placa, não traziam uma Rom com um jogo. Por isso era fácil a ideia de baratear a produção limitando os jogos e acessórios ao construir consoles dedicados. Tão fácil que não foi só a Magnavox que teve essa ideia. 

A própria Atari lançou Pong como um console dedicado ainda em 1975, ele se tornou famoso e vários aparelhos parecidos foram construídos por companhias diversas. 

Elas faziam a engenharia reversa do console dedicado de Pong e o reconstruíam com outras peças e uma carcaça própria, é o que se chama de console clone.

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O famoso console dedicado de Pong, da Atari

 

 Esses clones de Pong foram construídos em várias partes do  mundo, alguns exemplos deles são o obscuro e quase esquecido TVBol, um clone de Pong que alguns consideram o primeiro console de videogame do Brasil e foi construído no Rio de Janeiro em 1976 por uma empresa chamada Electronic do Brasil.

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey
O obscuro TV Bol, talvez o primeiro console do Brasil

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

 

 Houve também o famoso Telejogo, fabricado pela Philco/Ford um ano depois também no Brasil.

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e o Color TV Game, primeiro console de uma empresa japonesa que fazia jogos de cartas e estava começando a se aventurar no ramo de eletrônicos, uma tal de Nintendo. Além de vários outros clones ao redor do globo.

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

 

O Odyssey original de certo modo deu origem a esses e muitos outros consoles dedicados e junto com eles formou a primeira geração de consoles. E o seu Ping Pong foi a base dos jogos dessa geração, afinal ele foi a base do Pong da Atari e todos esses consoles traziam uma versão desse jogo, que frequentemente era o único game neles.

Era uma referência tão óbvia que era estranho que Baer, a Sanders e a Magnvox, que tinham as patentes do jogo e do console, não tivessem iniciado nenhum processo judicial contra as fabricantes desses vários consoles dedicados com jogos de Ping Pong. 

Mas a verdade é que as duas empresas estavam apenas esperando que os consoles se popularizassem a um ponto que os ganhos com os processos pudessem cobrir os custos judiciais que teriam com eles. 

E quando julgaram que já dava pra fazer isso foram atrás dos seus direitos, começando pela Atari e seu Pong. E o dono da Atari, Nolan Bushnell, tinha produzido voluntariamente uma prova contra si mesmo: ele tinha assinado o livro de visitas da exposição onde tinha visto a demonstração do Odyssey antes da fabricação do arcade de Pong. Com isso a causa ficou perdida para a Atari e ela acabou aceitando um acordo envolvendo um pagamento milionário aos detentores das patentes.

Essa foi a primeira batalha judicial envolvendo videogames, e várias outras se seguiram. Numa delas um juiz reconheceu a patente de Baer para o Odyssey como “a patente pioneira da arte do videogame”, gerando um precedente jurídico difícil de quebrar, por isso todos os processos contra as companhias que desenvolveram consoles com ping pong terminaram com sentenças ou acordos favoráveis à Sanders a Magnavox e a Ralph Baer.

A Nintendo, que desde aquela época já jogava duro no terreno judicial, tentou derrubar a patente alegando que na verdade o conceito do jogo teria surgido em 1958 com o Tennis for Two, um daqueles jogos experimentais de laboratórios de universidades que mencionei.

Porém, como o jogo usava um osciloscópio, um tipo de aparelho que mede sinais eletrônicos e os representa num gráfico, aquilo não foi considerado um videogame no sentido que não tinha um sinal de vídeo de verdade. 

A Sanders, a Magnavox e Ralph Baer ganharam mais uma, e mais do que nunca estava claro: o Magnavox e seu ping pong realmente foram os pioneiros da primeiríssima geração de consoles

Geração que logo chegaria ao fim: o mercado iniciante de games ficou sobrecarregado com tantos clones de consoles dedicados com o mesmo jogo, muitas empresas tentavam competir nesse mercado inundado de clones de Pong fabricando seus consoles com componentes de baixa qualidade e vendendo eles tão baratos que mal tinham lucro e acabaram indo à falência. 

Essa foi a primeira crise do mercado de games (não, não foi a crise que a Atari viveria em 83), e ficou conhecida como a crise dos games de 77, e também como a crise esquecida dos games, pois logo ela foi deixada pra trás quando começaram a surgir consoles com cartuchos que realmente tinham uma memória ROM com um jogo

Era a segunda geração de consoles batendo à porta, e trazendo consigo um sucessor do primeiro console da história: o Magnavox Odyssey 2

Magnavox Odyssey 2

Mas o console mais importante dessa segunda geração foi sem dúvida o Atari 2600, que vendeu cerca de 30 milhões de cópias e popularizou ao redor do mundo o conceito de console de videogame, a ponto de muitos acharem que ele foi o primeiro, como eu disse no início deste artigo.

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

Uma melhoria inovadora num conceito que já existe frequentemente rouba a cena e se torna um marco inicial diante da opinião pública. Foi assim com Thomas Edison que melhorou conceitos que já existiam sobre lâmpadas e até hoje é visto como inventor da lâmpada elétrica por muita gente. Algo parecido aconteceu com o Odyssey e consoles que vieram depois como o Atari 2600 e até mesmo o Pong.

Mas a verdade é que o Odyssey foi o primeiro e merece ser lembrado como tal: sem ele nem mesmo a história dos arcades teria sido como foi, afinal ele inspirou o Pong, que foi o pontapé inicial para que um dia Space Invaders iniciasse a chamada era de ouro dos arcades

E se hoje a indústria de games vale mais de 200 bilhões de dólares, o Odyssey foi o primeiro degrau que ela teve que subir no começo da sua existência ainda incerta. 

E se pensarmos em tudo que essa indústria gera para além dos games ficamos conscientes de que seu vulto é ainda maior. Basta pensar na relação entre games e computação, educação e entretenimento, por exemplo. Até o nosso Clube do Videogame não existiria se a indústria de games não existisse! 

E o Odyssey teve um papel no início de tudo isso. Não é à toa que ele figura até mesmo no Museu de Arte Moderna de Nova York como o primeiro console, e uma cópia do seu protótipo mais completo, a Brown Box, faz parte do acervo do Museu Nacional de História Americana.

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey
A Brown Box e seu circuito interno: um pedaço da história dos games.

Mas não podemos esquecer que por trás desse aparelho tem uma ideia que surgiu na mente de uma pessoa com uma história. Ralph Baer pode não ser nenhum ídolo pop, mas tem a influência dele por trás do fato de que eu e você jogamos videogame hoje

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

E ele continuou inventando coisas; o Simon, jogo eletrônico conhecido como Genius no Brasil, onde se tornou popular nos 80, também foi criação dele. 

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

Em 2006 ele recebeu do presidente dos Estados Unidos a medalha nacional de tecnologia pela sua “criação, desenvolvimento e comercialização revolucionária e pioneira de videogames interativos”. 

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey

Ele nos deixou em dezembro de 2014, aos 92 anos.  Anos depois, os gamers iniciaram uma campanha de financiamento coletivo para a construção de uma estátua em sua homenagem num parque público em New Hampshire. 

A campanha deu certo, e em 2019 foi erguido o monumento que homenageia Baer mostrando-o com o controle da sua Brown Box na mão, o último protótipo que ele construiu e que viria a se tornar o primeiro console da história, o console cujo desenvolvimento conhecemos neste longo artigo que celebra os 51 anos do seu lançamento, o Magnavox Odyssey.

O primeiro console de videogame: a odisseia do Odyssey