No texto passado, nós falamos um pouco sobre a narrativa transmídia e o caso de jogos como Assassin´s Creed e The Witcher. Você pode conferir aqui. Agora, vamos falar um pouco sobre o crescimento da literatura gamer no Brasil e seu o público. Vem comigo!
Crescimento da literatura gamer no Brasil
De acordo com a tese de Aline Akemi, no mercado internacional, a literatura gamer é algo bastante comum e que até mesmo acompanha o lançamento dos games. No Brasil, o crescimento de publicações com temática de videogame é algo mais recente, porém, segundo Akemi, “tem gerado um bom retorno às editoras que investiram na área”. As obras, escritas pelos próprios roteirstas do game ou sob encomenda, geralmente chegam em território brasileiro depois da consagração dos games-título e muitas delas são traduzidas apenas anos depois da publicação original para tentar pegar impulso nas vendas dos jogos.
Segundo a tese, é semelhante ao que acontece com o cinema, quando livros que deram origem a filmes ou a séries de TV – ou foram gerados por algum deles – chegam às livrarias com capas iguais ao pôster e os dizeres “livro que deu origem ao filme ou série X”. É uma estretégia de marketing para alavancar as vendas tanto dos filmes como da bilheteria.
Um caso recente foi com o famoso seriado Bridgerton, da Netflix, baseado em uma série de livros da Julia Quinn. A série conquistou muito sucesso, tornando-se a mais vista da plataforma; portanto, a capa do primeiro livro ganhou o pôster da série, além da informação de que aquela obra foi a inspiração da produção audiviosual. Assim, tanto o livro, como a série de TV se beneficiavam do marketing.
Para Akemi, “essa estratégia segue os padrões dos conglomerados de mídia modernos, que procuram controlar não só um meio de comunicação, mas todas as formas de entretenimento”.
As editoras de livro são empresas e logo, visam o lucro, então elas não vão querer publicar materiais sem retorno financeiro. Profissionais dessa área já entenderam que fãs de games são muito fieis aos jogos de que gostam e por isso, a literatura gamer atinge um ótimo público, o que explica o aumento da quantidade de material literário com temática de videogame. Após o sucesso de Assassin´s Creed, muitas editoras resolveram investir no mercado e trouxeram, para o Brasil, obras como Halo: Cryptum: a saga dos Forerunners, de Greg Bear, God of war, de Matthew Stover, Tomb Raider: em busca de Shangri-La, Uncharted: o quarto labirinto, de Christopher Golden e Epic Mickey.
O público
O público da literatura gamer, ainda segundo a tese de Akemi, é bem diverso, não se restringindo necessariamente a fãs e jogadores da franquia; na verdade, os livros são atrativos para gamers no geral – não só os fãs do game em questão – e também, para não-gamers.
Assassin´s Creed, por exemplo, atrai vários tipos de leitores e isso se deve a muitas fatores, entre eles, a capa. A capa guarda semelhanças com a dos jogos e por isso, faz um apelo aos fãs da franquia. Porém, diferente de outros livros, não faz nenhuma relação explícita de que tem relação aos games pré-existentes, podendo atrair o interesse de alguém que não conhece os jogos. Ou seja, para Akemi, “existe um público leitor desses romances que pode não ter tido contato com o game, e isso deve ser considerado, até mesmo para entendermos se essa mídia funciona de forma independente em relação às demais”
Nas HQs é diferente – fica claro que aquela obra é baseada em um game, apesar de explicitarem que é um conteúdo inédito para gerar interesse daqueles que já conhecem o jogo -, mas, nos romances, a única referência escrita de que se trata de um livro baseado no game está na orelha direita do livro, ao mencionar na biografia do autor, a informação de que a obra é feita em cima de uma série de jogos. Segundo Akemi, “os romances, portanto, se filiam de forma menos explícita na capa e na contracapa, porém, o fazem de forma incisiva na construção narrativa, no enredo, já que a coleção reproduz exatamente as histórias dos games, de forma mais detalhada, sem dúvida, mas essencialmente iguais. Até mesmo alguns diálogos se repetem”.
Porém, o game e o livro são mídias diferentes e para transpor uma história do videogame para uma obra literária é preciso adaptar o texto – antes regido por imagens e mais próxima do cinema. Não dá para esperar que os livros sejam uma cópia fiel do game, porque, bem, eles não dispõem de efeitos sonoros ou visuais e nem mesmo são interativos como os jogos. É impossível que duas mídias diferentes projetem o mesmo universo. De acordo com Akemi, “por isso, ao analisarmos essa transposição é importante considerar os modos de envolvimento, quais sejam, contar uma história (próprio dos livros), mostrar uma história (próprio do cinema) e interagir com uma história (próprio dos videogames), embora os três estejam necessariamente imbricados”.
Livros e games
Bom, mas Assassin´s Creed não foi o único game que virou livro. Não posso deixar de citar nesse vídeo, World of Warcraft, um dos MMORPGs mais conhecidos do mundo. O game ganhou as prateleiras das livrarias, aprofundando mais ainda a história para os fãs. Os oito livros, escritos por Christie Golden, podem pode ser lidos também por quem não conhece o jogo.
Quem também começou nos games e ganhou, entre as suas muitas mídias, uma série de livros é Resident Evil. Em inglês, são 7 livros – escritos por S.D. Perry e publicados no Brasil pela editora Benvirá – que narram os acontecimentos dos quatro primeiros jogos e contam com duas tramas inéditas. Apesar de não fazer parte do cânone por vários motivos, a série é bem aceita entre os fãs.
Conforme conta Akemi em sua tese, ao ser convidada pela Capcom, S.D Perry “optou por recontar os acontecimentos dos games da franquia sem seguir exatamente a sua história, mas sim criando pano de fundo para as personagens, assim como pensamentos, desejos e motivações. E, como seu processo de escrita era concomitante ao lançamento dos games, seus livros criam várias inconsistências na história, não podendo ser considerados cânones, nem parte da narrativa transmidiática por contradizerem elementos da história principal”.
Mass Effect também tem livros que explicam mais ainda a história do jogo, trazendo sentido para alguns acontecimentos. É recomendando mais para quem já joga o game, pois pode ser confuso para aqueles que não o conhecem, mas o que importa é que os livros agregam bastante conhecimento àquele universo.
Halo também virou livro. Diferente de Assassin´s Creed, que o leitor pode ter a impressão às vezes que está “lendo um game” , a narrativa vai além das cenas dos jogos. É excelente para os fãs e também para quem gosta de ficção-científica.
Como The Witcher, também temos jogos que fazem o caminho inverso e surgem a partir de livros; é o caso de Dynasty Warrios que transforma o universo do épico chinês Romance dos Três Reinos, de Luo Guanzhong, em um hack n´ slash. O game conta a história do fim da Dinastia Han – na qual 3 estados lutam pela supremacia do território Chinês – e faz várias referências aos eventos citados no livro.
Call of Cthulhu: Dark Corners of the Earth é baseado no conto de HP Lovecraft “The Call of Cthulhu”, além de pegar inspirações de “A sombra de Innsmouth”. O jogo recria o ambiente assustador das obras de Lovecraft, mostrando um ser assustador de tentáculos. É uma ótima experiência sobrenatural de horror e investigação.
É claro que esses são apenas alguns. Existem vários e vários jogos baseados em livros e livros baseados em jogos por aí. Não dá para citar todos em um vídeo só. Para Akemi, essas narrativas transmidiáticas “estão constituindo novas práticas sociais que visam enredar o leitor em um processo contínuo e controlado de consumo tornando- o fiel a uma marca ou produto”. A transição de uma mídia a outra não é uma ameaça; na verdade, é uma forma de continuar entretendo e lucrando, mesmo que o consumidor não esteja fazendo uso da mídia original.
De todo modo, a literatura gamer é uma excelente forma de atrair leitores e incentivar a leitura entre os jovens.