Jogo de luta: uma definição histórica
Falar da história de um gênero implica antes de qualquer coisa defini-lo, e definir jogos de videogame é uma tarefa complicada a que já nos dedicamos num artigo especialmente voltado a deslindar os tipos e subtipos de jogos.
Quanto ao gênero conhecido como “jogo de luta“, os problemas ao defini-lo envolvem uma tendência a colocá-lo (assim como vários outros tipos de jogos) como subgênero dos jogos de ação pelo fato de, na maioria dos jogos de videogame, acontecer algo que pode ser entendido como ação! O que acaba deixando essa definição vaga.
E há também a tendência a incluir os beat’em up (os “brigas de rua”) como jogos de luta, afinal neles você sai na porrada com vários inimigos enquanto avança por uma fase. Mas isso coloca games com propostas diferentes sob o mesmo “guarda chuva classificatório”.
Aqui tentaremos evitar esses problemas delimitando o rótulo “jogo de luta” naqueles games de combate corpo a corpo entre um número limitado de personagens que acontece em cenários com limites fixos até que um dos personagens (ou grupo deles) derrote seus oponentes ou o tempo expire.
Mas essa definição é histórica: ela só pôde ser formulada depois de vários games terem surgido criando e delimitando pouco a pouco o gênero, frequentemente sem terem consciência ou intenção de fazer disso.
É para entender isto, e muito mais, que empreenderemos nosso breve passeio pela história do gênero, começando pelos…
Primórdios da pancadaria: jogos de luta entre 1976 e 1990
Os fliperamas surgiram como uma espécie de evolução de jogos eletromecânicos que funcionavam com moedas ou fichas; talvez as antigas máquinas de pinball sejam a referência mais clara que podemos dar desse tipo de jogo, mas também servem de exemplo os antigos caça níqueis de jogos de azar e aquelas máquinas dos parques de diversões em que, usando um martelo, a pessoa deveria golpear um alvo que faria subir um objeto que, a depender da força do golpe, poderia alcançar uma sineta.
A própria Sega começou como fabricante e distribuidora dessas máquinas de jogos eletromecânicos na época em que ainda se chamava Service Games.
E aquele que é considerado o primeiro jogo de luta se chama Heavyweight Champ e surgiu nos fliperamas em 1976, época em que eles dividiram espaço com máquinas eletromecânicas; por isso faz sentido que o influxo dos jogos eletromecânicos nos primeiros fliperamas tenha alcançado esse game e ele tenha sido desenvolvido justamente pela Sega.
Heavyweight Champ apresentava uma luta de boxe entre dois oponentes e funcionava num gabinete de arcade em que os “controles” eram duas alavancas que simulavam luvas de boxe.
Cada jogador usava uma alavanca que se movia para cima e para baixo para alternar entre socos altos ou baixos, enquanto o comando para socar era pressionar a alavanca para dentro da máquina, como se estivesse de fato dando um soco, numa clara influência das antigas máquinas eletromecânicas.
Esses comandos movimentavam dois lutadores que se encaravam e trocavam socos num espaço limitado até um deles ser derrotado; um exemplo rudimentar da definição de jogo de luta que vimos acima.
Heavyweight Champ foi um sucesso nos arcades, mostrando o apelo que o combate físico um contra um tinha como tema de um jogo de videogame.
O jogo ainda recebeu um remake em 1987, e iniciou um certa safra de jogos de luta tendo o boxe como tema: são notáveis nesse sentido o simplíssimo Boxing, lançado para o Atari 2600, e o arcade Punch-Out!! lançado pela Nintendo em 1984 e que acabou tornando-se uma série.
Mas, um mês depois do lançamento de Punch Out, surgiu um arcade que traria outra grande influência para o gênero: os filmes de artes marciais.
Esse jogo se chama Karate Champ, foi desenvolvido pela Technos e distribuído pela Data East e é considerado por muitos o “avô” dos jogos de luta, embora não seja o primeiro deles.
E uma breve descrição basta para te dar uma ideia do porquê: é um jogo em que um lutador de kimono branco encara um lutador de kimono vermelho num torneio em que cada luta pode durar até 3 rounds mas tem um limite de tempo.
Parece uma descrição de Ryu e Ken lutando em Street Fighter 2, mas estou falando de um jogo de luta que veio na década anterior àquela em que surgiu o famoso jogo de luta da Capcom.
Além disso Karate Champ trazia controles com duas alavancas que permitiam uma boa variedade de golpes e movimentos, trazendo uma curva de aprendizagem ao jogo, uma fórmula que entregava um jogo fácil de aprender mas difícil de dominar.
Hoje essas características são comuns e básicas num jogo de luta, mas à época eram novidade.
O cenário do jogo também era mais rico que o de seus predecessores, trazendo um juiz e outros lutadores assistindo à luta do jogador.
Isso se deve não só à evolução do hardware dos fliperamas que permitiam colocar mais elementos na tela com maior qualidade gráfica, mas também da influência dos filmes de artes marciais que fizeram sucesso nos anos 80, como aqueles que estrelavam Bruce Lee e Chuck Norris, além do sucesso posterior de Karatê Kid.
Karate Champ foi um sucesso e sua popularidade fez com que jogos posteriores fossem feitos em moldes parecidos, sedimentando pouco a pouco suas características como as que seriam próprias do gênero “jogo de luta”.
Porém em Karate Champ a vitória não acontecia quando se esgotava a barra de energia do adversário: não havia uma barra de energia, essa característica chegou num jogo de luta que surfou no sucesso de Karate Champ e seguiu seus moldes: Yie Ar Kung-Fu, lançado pela Konami em 1985.
Esse game introduziu as barras de energia para ambos os lutadores que eram drenadas em direção a um “K.O” no centro indicando nocaute. E além disso trouxe lutadores diferentes não só em aparência como em estilos de luta, que deveriam ser enfrentados pelo personagem jogador em diferentes cenários temáticos.
Yie Ar Kung-Fu surgiu na metade da década de 80, e muitos jogos de luta seguiram os moldes lançados por ele e por Karate Champ, enquanto outros eram construídos de maneira diversa nessa época em que os padrões ainda estavam se estabelecendo e o sucesso dos jogos de luta era dividido com o dos beat’em up que partilhavam algumas das suas características pois não se fazia ainda uma distinção clara entre os dois gêneros.
E foi justamente partindo de sua experiência nos beat’em up, que a Capcom desenvolveu um jogo de luta baseado nas batalhas de boss dos brigas de rua, a ideia era fazer um jogo inteiro só com batalhas desse tipo.
Para isso recorreram aos padrões estabelecidos com sucesso em jogos como Karatê Champ e Yie Ar Kung-Fu e lançaram esse jogo em 1987 com o nome de Street Fighter.
O gabinete deste Street fighter inovava com botões sensíveis à pressão, permitindo socos e chutes fracos, médios ou fortes dependendo da pressão aplicada pelo jogador.
Era algo que lembrava a influência inicial das máquinas de jogos eletromecânicos, mas num jogo com uma variedade muito maior de golpes, movimentos e personagens que dava continuidade à influência dos filmes de artes marciais em jogos como Karate Champ e Yie Ar Kung-Fu.
Este primeiro Street Fighter, enquanto jogo de luta, deu um passo à frente convidando os jogadores a experimentarem comandos e desenvolverem sua proficiência no jogo.
Mas não foi um grande sucesso e os controles sensíveis à pressão com frequência se quebravam sob o ímpeto que jogadores traduziam em força física.
Isto fez a Capcom lançar uma segunda versão do gabinete do jogo, contando com seis botões, 3 para chutes e 3 para socos, com opções de forte, médio e fraco para esses movimentos.
Ainda assim, Street Fighter não decolou nas vendas: apesar de ter melhorado em relação à primeira versão, muita gente sequer viu esse jogo de luta. Ainda não era o momento em que alguns de seus personagens como Ryu, Ken e Sagat se tornaram mundialmente conhecidos.
A década de 90 chegava ao fim e o gênero “jogo de luta” ia se definindo com base no que foi estabelecido por esses jogos, mas o espaço para experimentação ainda estava aberto em larga medida.
Neste cenário, a Atari resolveu testar num jogo de luta uma tecnologia que chamava a atenção na época: a captura de movimentos; produziram um jogo de luta para até três jogadores capturando movimentos de pessoas reais.
Esse game foi lançado em 1990 com o nome de Pit-Fighter e seu gabinete (com controles para três jogadores e um pretenso realismo de movimentos na tela) chamava a atenção nos game centers e se apresentava como o futuro dos videogames.
Mas não era: os anos 90 apenas começavam e os jogos de luta iriam em outra direção, pois Street Fighter teria uma continuação…
Street Fighter II e os anos 90 nos jogos de luta
Ao fim dos anos 80 a Capcom desenvolveu um novo hardware para arcades chamado Capcom Play System ou CPS.
Além de ter um bom processamento gráfico, essa placa de arcade se conectava a placas menores contendo jogos específicos, uma versatilidade que a tornava atrativa para donos de game centers.
Foi para esse sistema que a Capcom lançou, em 1989, um beat’em up chamado Final Fight. Esse jogo teve êxito e, como a distinção entre beat’em up e jogo de luta não era clara, a empresa resolveu, a partir desse sucesso, investir tanto em novos beat’em up como em jogos de luta.
Foi nessa safra que surgiu a ideia de ressuscitar Street Fighter: os desenvolvedores da Capcom julgavam o conceito do jogo bom o suficiente para receber uma segunda chance agora que o hardware permitia que produzissem um jogo com mais qualidade.
Então, em 1991, lançaram Street Fighter II: The World Warrior, e esse é um dos fatos mais importantes da história dos jogos de luta.
Street Fighter 2 empregava as principais características dos jogos de luta de sucesso da década anterior, mas com a qualidade gráfica e sonora possível com a placa CPS.
Por isso foi capaz de entregar uma boa trilha sonora e um grupo de lutadores bem caracterizados que se tornou icônico não só pelas suas aparências como pelos seus estilos individuais de luta.
Sendo que esses estilos se encaixavam bem numa jogabilidade que inovou ao incluir a possibilidade de concatenar golpes formando combos e uma precisão inédita: até Street Fighter 2 os jogos de luta eram imprecisos a ponto de tornarem um tanto aleatória a possibilidade de realizar alguns golpes.
Com sua precisão e variedade de golpes, combos e estilos Street Fighter 2 permitiu uma profundidade inédita na jogabilidade de um jogo de luta.
E o fato de permitir confrontos entre jogadores tornava o fator replay potencialmente infinito, incentivando o desenvolvimento das habilidades dos jogadores e plantando a semente do jogo de luta como e-sport.
Tudo isso aliado à versatilidade da placa CPS fez com que os fliperamas de Street Fighter se espraiassem pelo mundo tornando o jogo parte da chamada cultura pop e sedimentando de uma vez por todas a ideia de jogo de luta como um gênero à parte, que não se confunde com os beat’em up ou com simuladores esportivos.
Nesse sentido a influência de Street Fighter II não só fomentou a produção de novos jogos nos seus moldes como mudou o modo como passamos a perceber seus predecessores: se podemos hoje dizer que games como Karate Champ e Yie Ar Kung-Fu são jogos de luta é porque, olhando para trás, percebemos que eles já traziam certas características que Street Fighter 2 empregaria anos mais tarde!
Nos anos seguintes a Capcom produziu uma miríade de novas versões e ports para consoles de Street Fighter II e o sucesso do jogo revitalizou os arcades que, tendo passado da sua chamada “era de ouro” iniciada em 1978 com Space Invaders, estavam em decadência.
Essa revitalização dos arcades promovida pelo advento de Street Fighter II colocou os jogos de luta como o principal gênero dos fliperamas da época, incentivando a produção de vários novos jogos do tipo.
O primeiro dos notáveis entre eles na verdade não surgiu do sucesso de Street Fighter II, mas foi desenvolvido quase simultaneamente a ele e partiu do primeiro Street Fighter!
Estamos falando de Fatal Fury: King of Fighters, jogo de luta lançado pela SNK poucos meses depois de Street Fighter II.
O desenvolvimento desse jogo foi dirigido por Takashi Nishiyama, diretor responsável pela produção do primeiro Street Fighter!
Após sair da Capcom ele foi contratado pela SNK, e na nova empresa começou o projeto de um jogo de luta que via como um sucessor espiritual de Street Fighter, isso ao mesmo tempo em que a Capcom trabalhava no Street Fighter II!
Este primeiro Fatal Fury trouxe a novidade de colocar três linhas de profundidade no cenário e permitir que os personagens se movessem entre elas; e não colocava ênfase em combos, como Street Fighter II, mas sim no “timing” de execução de movimentos especiais e na narrativa: Nishiyama queria que esse jogo de luta fosse capaz de contar uma história razoável de personagens com quem os jogadores pudessem se identificar.
Fatal Fury obteve êxito razoável e, embora não comparável ao sucesso de Street Fighter II, se somou a ele para impulsionar os jogos de luta e iniciou a SNK como produtora de títulos mais ambiciosos no gênero.
Com o sucesso mundial desses jogos (sobretudo Street Fighter II) produtoras ocidentais não demoraram a se aventurar nos jogos de luta.
A americana Midway, por exemplo, encomendou aos desenvolvedores Ed Boon e John Tobias um jogo de luta a ser produzido em, no máximo, um ano.
Dez meses depois, em 1992, eles entregaram ao público um jogo de luta chamado Mortal Kombat, que resgatou a técnica de captura de movimentos de Pit-Fighter, somou-a à influência de Street Fighter 2 e adicionou a uma carnificina tão intensa que chega a ser cômica.
Mortal Kombat trouxe ainda os “Fatalities”, sequências individuais que poderiam ser realizadas ao fim dos rounds executando excruciantemente o oponente. Era a coroação da carnificina promovida pelo jogo e um incentivo à busca dos jogadores por aprender a fazer todos eles.
E a busca por inovação num jogo de luta não estancou aí: a SNK não parou em Fatal Fury e em 1992 lançou Art of Fighting, jogo de luta que se passava no mesmo universo ficcional do primeiro jogo de luta da produtora que avançou em inovação lançando, no ano seguinte, Samurai Shodown, jogo de luta que envolvia o uso de armas brancas.
A própria Capcom buscou ir além das diversas versões de Street Fighter II e lançou, em 1994, Darkstalkers: The Night Warriors, um jogo de luta envolvendo seres sombrios.
Nesse mesmo ano a desenvolvedora britânica Rare lançou, com distribuição da Midway, Killer Instinct, jogo de luta com gráficos que pareciam inovadores para a época e também obteve sucesso considerável.
Ainda em 1994 a SNK publicou The King of Fighters 94, um crossover de personagens de Fatal Fury, Art of Fighting e jogos anteriores de outros gêneros produzidos pela desenvolvedora para a mesma placa de arcade Multi Video System (ou simplesmente MVS) que usou nos seus jogos de luta ao longo de quase toda a década.
O design visual dos personagens e a inovação das lutas em trios que esse jogo trouxe lhe garantiram sucesso tal que The King of Fighters acabou se tornando a principal série de jogos de luta da SNK, firmando a rivalidade da empresa com a Capcom.
Além desses jogos, que se tornaram séries, o sucesso de Street Fighter II inspirou ainda muitos outros, os mais inovadores (ou insólitos, ou ainda desesperados) entre eles incluíram dinossauros (Primal Rage), robôs (Rise of the Robots) e até jogadores profissionais de basquete (Shaq Fu).
Porém, à medida que a década de 90 ia chegando ao fim, o sucesso de Street Fighter II ia finalmente arrefecendo.
A Capcom sentiu que não poderia seguir indefinidamente lançando novas versões daquele jogo e investiu, em 1995, numa prequela chamada Street Fighter Alpha, com um sistema de super combos e aproveitando a nova placa CPS II para dar vida a um traço parecido com o de Darkstalkers no design dos personagens.
Alpha acabou se tornando uma nova série de Street Fighter e recebeu uma sequência no ano seguinte, quando a Capcom também lançou o crossover X-Men vs Street Fighter, abrindo uma série de jogos de luta envolvendo personagens da Marvel e da Capcom.
Mas também sentiram que já era a hora de dar um passo à frente na série principal de Street Fighter, e em 1997 lançaram Street Fighter III: New Generation.
O jogo foi desenvolvido para a CPS III, um hardware ainda mais poderoso do que o utilizado na série Alpha, e com isso foram capazes de entregar uma trilha sonora de bastante qualidade além de gráficos e animações que chegavam próximos à excelência do que podia ser feito à época em termos de pixel art e gráficos 2D.
A jogabilidade do game, sobretudo na sua última versão, alcançou uma nova profundidade, exigindo grande especialização por parte dos jogadores e incluindo um movimento de bloqueio conhecido como “parry”, que permitia parar qualquer golpe se executado milimetricamente no tempo correto.
Essa jogabilidade precisa e intrincada favoreceu a profissionalização do jogo e seu uso como e-sport: à época o sucesso alcançado a partir de Street Fighter II já tinha promovido um campeonato respeitado de jogos de luta: o “Evolution Championship Series”, mais conhecido como EVO.
E Street Fighter 3 promoveu aquele que segue um dos momentos mais memoráveis da história desse torneio (que segue acontecendo anualmente): o Evo Moment 37 ou “Daigo Parry”, quando, na semifinal do torneio, Daigo Umehara e Justin Wong, dois dos melhores jogadores de Street Fighter III da época, se enfrentavam e Umehara estava no último pixel da barra de vida do seu Ken quando a Chun-Li de Wong executou um ataque especial de 12 “hits” que causaria dano mesmo se o adversário se fechasse em defesa.
O único modo de não sofrer dano seria executar de modo perfeito a mecânica de parry/bloqueio a cada um dos “hits” do especial adversário, isso implicava em acertar um comando num timing de cerca de um décimo de segundo a cada um dos 12 golpes do especial de Chun-Li.
Daigo Umehara conseguiu o feito e ao fim contra atacou com um combo seguido de um especial que encerrou a luta levando a plateia à euforia.
Mas a empolgação que Street Figther III causou nos circuitos profissionais não se repetiu com os jogadores casuais nos arcades de bairro, deixando o êxito do jogo muito aquém do esperado.
Street Fighter III, sobretudo sua última versão, é um jogo de luta bastante competente, mas a mesma jogabilidade profunda que garantia seu sucesso entre profissionais afastava jogadores mais casuais.
Além do que a maioria dos seus personagens eram novos, e por isso o jogo não conseguiu surfar muito no sucesso que Street Fighter II projetou na cultura pop.
A própria onda de sucesso dos jogos de lutas projetada por Street Fighter II já arrefecia. E além disso o jogo se mantinha em duas dimensões numa época em que a grande novidade na maioria dos tipos de jogos eram os gráficos em 3D.
As tentativas de empregar essa tecnologia nos games se intensificaram ainda na primeira metade dos anos 90, quando a onda de sucesso dos jogos de luta desencadeada por Street Fighter II estava no auge.
Por isso não surpreende que tenha havido tentativas de emplacar um jogo de luta em 3D, e a pioneira delas saiu em 1993 por obra da Sega: o icônico Virtua Fighter.
Mas, embora empregasse gráficos em 3D poligonal, a movimentação do jogo não permitia profundidade, dava apenas para ir pra trás e pra frente como nos jogos de luta em 2D.
O pioneiro dessa “profundidade” foi Battle Arena Toshinden; lançado pela Tamsoft para Playstation em 1995, ele permitia um “passo para o lado” que de fato permitia que os personagens se mexessem em 3 dimensões.
E, um ano antes disso, a Namco tinha lançado o primeiro Tekken, que se tornaria uma série de sucesso empregando uma jogabilidade cada vez mais complexa.
A própria série Street Fighter recebeu um spin-off em 3D chamado Street Fighter Ex, desenvolvido pela Arika e publicado pela Capcom em 1996. Mas esse jogo não logrou grande êxito pois sua jogabilidade e seus cenários guardavam pouca identidade com os outros jogos da série.
Além do que nessa época já existia Virtua Fighter 3, e Tekken 3 estava prestes a chegar: esses dois jogos eliminaram as dúvidas sobre os jogos de luta em 3D poderem ser um subgênero digno do rótulo “jogo de luta”, e fizeram concorrência pesada nesse subgênero.
E logo a Namco decidiu inovar adicionando o que tinha desenvolvido na série Tekken ao universo de Soul Edge (um jogo de luta baseado em armas brancas de 1995), lançando, em 1998, Soul Calibur nos arcades
Mas a versão mais notável desse jogo de luta foi seu port para o Dreamcast; lançado em 1998, esse console abriu a sexta geração de consoles com um hardware baseado na placa NAOMI, sistema de arcades da Sega, e com isso ele conseguia receber ports de arcade sem perda de qualidade.
O Dreamcast teve no port de Soul Calibur um dos atrativos do seu lançamento., e o primeiro diferencial do jogo era o fato de ser baseado em armas brancas.
Além de aproveitar o potencial técnico do Dreamcast conseguindo gráficos e texturas nunca vistos antes num jogo de luta em 3D, chegando a rodar a 60fps, com os personagens podendo se mover em 8 direções.
A física deste jogo era tão boa para a época que mesmo o peso das diferentes espadas fazia diferença na movimentação e nos danos.
Soul Calibur foi um sucesso de público e de crítica, se tornando um dos games mais bem avaliados de todos os tempos.
Mas à medida que a década de 90 chegava ao fim realmente terminava junto com ela a grande onda de sucesso dos jogos de luta que se alastrou a partir de Street Fighter 2.
Esse fato, aliado ao advento do Playstation 2, contribuiu para uma decadência geral também dos arcades e dos consoles baseados em suas placas, como o Dreamcast e o velho Neo Geo da SNK.
Na verdade, a SNK chegou à bancarrota em 2001, um sintoma inequívoco da decadência que os jogos de luta e os arcades experimentavam ante o público geral…
Jogos de luta de 2000 a 2008: decadência, crossovers e um mercado de nicho.
Apesar dessa decadência, os jogos de luta não deixaram de ser produzidos na primeira década desse milênio: eles não gozavam mais da mesma popularidade dos anos 90, mas existiam e cresceram como e-sport.
Na verdade, o fato de terem crescido como e-sport foi de certo modo proporcional à perda de popularidade do gênero ante o público geral: a complexificação da jogabilidade que exigia e fomentava a habilidade de um jogador profissional afastava jogadores mais casuais, tornando o mercado de jogos de luta cada vez mais especializado num nicho.
Foi justamente essa questão que levou à ideia do primeiro jogo duma franquia peculiar: Super Smash Bros. O criador de Kirby, Masahiro Sakurai, e jogador hardcore de games de luta, estava num game center jogando The King of Fighters 95 tão concentradamente que não notara o oponente que estava desafiando na mesma máquina; com toda sua habilidade, Sakurai não deu chance ao adversário, foi um massacre completo.
Ao fim do desafio ele finalmente olhou com mais calma para seu oponente e se deparou com um casal que só queria curtir umas partidas no fliperama, não eram jogadores hardcore como ele.
Sakurai pensou que devia ter pegado mais leve e que eles provavelmente não jogariam mais The King of Fighters 95 pela má impressão que essa experiência tinha deixado.
Pensando nisso, ele imaginou que muitas pessoas se sentiam atraídas pelos grandes jogos de luta da época, mas ao mesmo tempo se sentiam intimidadas ante à ideia de ir até os fliperamas para jogar pela complexidade desses jogos de luta e a concorrência com jogadores hardcore.
Apostando na existência desse público, ele pensou em produzir um jogo de luta com jogabilidade simples e divertida para um console caseiro, sem combos e especiais complexos.
O jogo que ele desenvolveu a partir dessa ideia foi um crossover de personagens de franquias da Nintendo, Super Smash Bros. foi lançado para Nintendo 64 em 1999 e obteve êxito suficiente para iniciar uma série. Mas não sem gerar polêmica sobre ser ou não um jogo de luta na medida em que não empregava boa parte das convenções do gênero.
Super Smash Bros. Brawl, lançado para Nintendo Wii em 2008, estendeu o crossover para franquias de empresas parceiras da Nintendo e obteve um sucesso comercial que outros jogos de luta da mesma época jamais alcançaram, mostrando que se voltar ao publico geral com um jogo simples e divertido era mais efetivo comercialmente que focar-se em jogos especializados com uma grande curva de aprendizagem.
Além de Super Smash Bros, outros jogos de luta envolvendo crossovers foram lançados ao longo dos anos 2000, como Mortal Kombat vs DC Universe e os jogos da série Marvel vs. Capcom.
Houve também crossovers entre Capcom e SNK: as antigas rivais agora se uniam num cenário em que tentavam recuperar a popularidade do gênero.
A SNK em si, à beira da falência, foi adquirida pela Playmore , ressurgindo em 2003 e tocando suas franquias.
Na verdade, apesar da decadência na popularidade do gênero, as mais exitosas das franquias de jogos de luta iniciadas na década de 90 continuaram sendo produzidas, ainda que sem o grande sucesso de público que projetou o gênero na década anterior e com o esvaziamento dos fliperamas ao redor do mundo,
E ao longo de quase toda primeira década do atual milênio, em que os jogos de luta sofreram essa acentuada decadência de popularidade, não houve nenhum lançamento da série principal de Street Fighter, o que talvez seja em si um sinal dessa decadência.
Mas isso iria mudar ainda em 2008…
Street Fighter IV e depois: em que round estamos agora?
Street Fighter IV seria o primeiro jogo da série principal da franquia em 11 anos, e viria nesse momento de baixa popularidade dos jogos de luta.
Por esses motivos a Capcom quis um jogo que apelasse tanto para novos jogadores como para os antigos “players hardcore”, e fizesse isso implementando novas tecnologias ao mesmo tempo em que mantivesse inequívoca a identidade de Street Fighter II.
Para isso utilizaram o chamado “2.5D” uma mistura de gráficos em 3 dimensões com uma arena 2D que mantinha total identificação com Street Fighter II.
Essa ideia, aliada à capacidade gráfica e sonora dos hardwares da época, foi capaz de entregar cenários e modelos de personagens que tinham ares de novidade e inovação ao mesmo tempo em que eram os velhos personagens icônicos da franquia.
A jogabilidade também era bastante competente, com o que de melhor havia nas diversas versões dos jogos anteriores da série.
O resultado foi um sucesso que, embora não tenha repetido o “boom” causado por Street Fighter II, conseguiu reverter a tendência decadente que o gênero enfrentava, agitando e fazendo crescer o cenário competitivo dos jogos de luta como e-sport e ao mesmo tempo atraindo jogadores casuais, empolgando novos e antigos jogadores de ambos os públicos.
Devido a esse sucesso, a Capcom não esperou mais um hiato de 11 anos para lançar o próximo jogo da série: Street Fighter V saiu em 2016 e manteve a ideia de gráficos em 3D numa arena em 2D que contribuiu com o sucesso do seu predecessor.
Atualmente estamos em plena vigência da popularidade do inovador Street Fighter 6: o jogo saiu neste ano de 2023 e emprega uma grande profundidade de gameplay, incluindo mecânicas de personalização e exploração de cenário típicas de jogos de ação e aventura, mas sem deixar de ser um inequívoco jogo de luta.
Mas não foi só a sua própria franquia que Street Fighter IV impulsionou ao fim da da primeira década deste milênio: a revitalização do cenário dos jogos de luta que esse game promoveu incentivou a produção de jogos de outras franquias e as suas vendas.
Mortal Kombat, agora tocado pela NetherRealm Studios, lançou em 2011 um game chamado apenas Mortal Kombat que funcionou como reboot da franquia, que seguiu com o desenvolvimento de outros jogos da série que atualmente está em plena fruição do advento de Mortal Kombat 1, lançado também neste ano de 2023.
Tekken também aproveitou esse reflorescimento do gênero e seguiu lançando jogos nos anos 2010: o Tekken 7, de 2015, conta inclusive com Akuma, de Street Fighter, entre seus lutadores, e teve uma boa e merecida recepção pela sua própria qualidade. Atualmente há a expectativa para o lançamento de Tekken 8 em 2024.
Ainda no campo dos jogos de luta em 3D, Virtua Fighter 5, lançado ainda em 2006, recebeu em 2021 um interessante remaster chamado Virtua Fighter 5 Ultimate Showdown.
E a série rival de Street Fighter nos anos 90 também segue em atividade: foram lançados The King of Fighters XIII em em 2010, XIV em 2016, e no momento estamos jogando The King of Fighters XV, de 2022.
O novo respiro dos jogos de luta nos anos 2010 deu ainda em jogos notáveis baseados em franquias famosas de anime e mangá, nesse sentido os exemplos mais notáveis foram Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4, de 2016 e Dragon Ball FighterZ, de 2018.
Surgiram também jogos de luta independentes, produzidos por pequenas equipes com ajuda de financiamento coletivo. Talvez Skullgirls, de 2012, seja um dos exemplos mais famosos dentre esses jogos.
Porém, apesar de todos esses novos jogos, o velho Street fighter II se mantinha como jogo de luta mais vendido de todos os tempos, isso até o advento de Super Smash Bros. Ultimate em 2018, que atualmente ocupa o posto de jogo de luta mais vendido, confirmando o sucesso da sua fórmula.
Atualmente, embora não gozem do domínio que tiveram nos arcades dos anos 90, quando se delimitaram definitivamente como gênero, os jogos de luta se estabeleceram como um gênero prolífico que continuará conosco por muito tempo.
Um gênero cuja história tentamos percorrer (ainda que superficialmente) neste artigo, passando pelos altos e baixos que os jogos de luta experimentaram desde seus primórdios em Heavyweight Champ e Karate Champ até Street Fighter 6 e o Tekken 8 que está por vir.
Esperamos ter alcançado esse objetivo, ou será que teremos que colocar outra ficha?